Instituto Guaicuy

Cinco anos e meio após rompimento da barragem da Vale, reparação caminha a passos de tartaruga

26 de julho, 2024, por Laura de Las Casas

Lentidão na execução de programas e violação de direitos das pessoas atingidas marcam a data

No dia 25 de julho de 2024, completaram-se cinco anos e meio do rompimento da  barragem da Vale em Brumadinho. Após mais de meia década do desastre-crime, o andamento da reparação dos danos provocados pela mineradora-ré vai a passos de tartaruga. Além da falta de transparência na execução do Acordo Judicial que foi firmado em 2021 pela empresa e pelo Poder Público (Governo de Minas e Instituições de Justiça), as pessoas atingidas seguem sofrendo com a violação de diversos direitos, como o direito à água, com poucas indenizações individuais pagas e com a falta de acesso ao Programa de Transferência de Renda, pagamento mensal garantido pelo próprio acordo. O Rio Paraopeba também não se viu livre dos rejeitos tóxicos derramados, já que a Vale só executou 1% da limpeza planejada para ter sido feita até agora. 

A destruição causada pela Vale com este desastre-crime, além de matar imediatamente 272 pessoas, atingiu de forma irreparável territórios que vão muito além de Brumadinho. Foram afetados ao menos 26 municípios de Brumadinho até a Região da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco. A estimativa do total de atingidos é de, no mínimo 158 mil pessoas. Todas elas, de alguma forma, vivenciam diariamente as consequências do rompimento da barragem.

Para Carla Wstane, diretora do Instituto Guaicuy,  que acompanha o processo de reparação das regiões 4 (Curvelo e Pompeu) e 5 (região do Lago de Três Marias), afetadas pelo rompimento, a lentidão nesse processo de devolver a essas pessoas a dignidade que lhes foi retirada é grave. “Tem gente que vivencia a dor de um luto irreparável, pois perdeu alguém querido. Tem gente que perdeu o acesso à água, já que não dá mais pra usar a água do Rio Paraopeba para atividades diárias. Tem gente que perdeu animais e plantações, ou perdeu o emprego, já que a pesca, o turismo e a hotelaria, por exemplo, foram diretamente afetados pelo rompimento”, relembra. 

Para a diretora, a demora na reparação dos danos só estende ainda mais no tempo as dores causadas por esse evento. “Enquanto não se limpa o rio ou não se executa o que foi previsto no Acordo Judicial, muitas dessas pessoas sofrem de questões de saúde mental, precisam dedicar tempo livre para comparecerem em reuniões para lutarem por seus direitos e também se veem obrigadas a readaptarem seus modos de vida para poderem seguir em frente, diante das mudanças causadas pelo desastre-crime. Isso não é justo”, complementa Carla Wstane. 

O Acordo, assinado sem participação das pessoas atingidas, trata da reparação coletiva e não define as indenizações individuais. A Vale considera suficientes as cerca de 9 mil indenizações pagas pelos danos do rompimento. Mas dados das Assessorias Técnicas Independentes indicam pelo menos 158 mil pessoas atingidas pelo desastre-crime. Ou seja, apenas 6% delas foram indenizadas pela mineradora. 

Como anda a execução do Acordo Judicial? 

PTR
O Programa de Transferência de Renda, conhecido como PTR, é um pagamento mensal emergencial às pessoas atingidas que se enquadram em alguns critérios. Apesar de mais 140 mil pessoas receberem o PTR, muitas não acessam o programa, seja porque suas comunidades não foram incluídas, seja porque não possuem os documentos exigidos, que muitas vezes não estão de acordo com a realidade dessas pessoas. Muitos pescadores e pescadoras, por exemplo, não têm como comprovar a residência em suas comunidades.

Além disso, há um descompasso do PTR em relação ao resto da reparação: enquanto o programa tem previsão de acabar em 2026, grande parte das outras ações sequer começaram a ser executadas. Isso quer dizer que o programa deve terminar antes que as pessoas recuperem as condições de trabalho e renda prejudicadas pelo desastre.

Fortalecimento de políticas públicas
Outro ponto do Acordo, o Anexo 1.3, destina R$2,5 bilhões para fortalecimento de políticas públicas nos municípios atingidos. Das obras concluídas ou em andamento, poucas chegam às comunidades atingidas, que em geral são regiões rurais, longe das sedes dos municípios. Ainda não se sabe quanto dessa verba já foi utilizada. A transparência no uso dos recursos é uma das reivindicações das pessoas atingidas. 

Reparação socioambiental
Outra parte da reparação que vai devagar é a limpeza do Rio Paraopeba. A previsão do Acordo era de que, até o final de 2024, fossem retirados os rejeitos de 54 km do Rio Paraopeba. Mas, até  agora, os trabalhos alcançaram apenas 550 metros, ou seja, 1% do planejado.

Projetos comunitários e linhas de crédito
O único item do Acordo que prevê a participação das pessoas atingidas é o que destina R$3 bilhões para projetos comunitários e linhas de crédito, o Anexo 1.1. Essa é a verba que vai ser usada para melhorar a vida das pessoas nas comunidades, gerando emprego, renda e lazer. Mas nenhum projeto saiu do papel ainda. As Instituições de Justiça (IJs) escolheram a parceria liderada pela Cáritas para ser a Entidade Gestora de parte desses recursos e administrar 10% dos deles. Após apresentar uma proposta definitiva do plano de execução do Anexo, no dia 2 de julho deste ano, a Cáritas está aguardando os trinta dias de prazo para que as Instituições de Justiça aprovem ou não o documento.  

Direito à Assessoria Técnica Independente
Na lentidão na reparação, um dos direitos que as pessoas atingidas acessaram nos últimos anos foi contar com uma Assessoria Técnica Independente (ATI). Esse direito, enquanto durarem as medidas de reparação, é previsto na PNAB, que foi aprovada em 2023, após a assinatura do Acordo do Paraopeba. 

A ATI, uma entidade eleita pelas pessoas atingidas, auxilia na luta por direitos e na fiscalização das ações em curso. Esse é o trabalho feito pelo Guaicuy em comunidades do Baixo Paraopeba, Represa de Três Marias e Rio São Francisco. Noutro descompasso com o processo de reparação, a previsão é que o trabalho das ATIs acabe em breve, considerando a sucessiva diminuição de orçamento e a indicação cada vez mais restrita de quais atividades devem ser acompanhadas junto às pessoas atingidas. Nesse cenário, essas pessoas ficarão sem assessoria para acompanhar os passos seguintes e as ações já atrasadas, intensificando o desafio que já é a busca por transparência e participação na reparação.

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