“A gente quer as coisas na realidade, não no papel”, afirmou Simone Alves da Cruz, representante da Comissão Assentamentos. Ela trouxe esse resumo durante a apresentação de um dos grupos de trabalho durante o 4º Encontro de Comissões da Região 4, realizado nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro, em Curvelo. A atividade reuniu mais de 50 representantes de 8 Comissões e 23 comunidades, incluindo o Povo Indigena Kaxixó.
Entre os objetivos do encontro estavam viabilizar a construção, a qualificação e proposição de fluxos de diálogo da Instância de participação Regional com as Instituições de Justiça (IJs) e o Comitê Pró-Brumadinho (CPB), dentro do contexto de fortalecimento da Instância Regional.
Marcone Leão, da Comissão de Angueretá e relator da Instância Regional 4, avalia que foram alcançados os resultados almejados, especialmente no que diz respeito a um diálogo mais frequente com as IJs. “Mas a gente vai continuar lutando por reparação”, destacou.
Como definido em reunião da Instância Regional realizada em novembro, foram convidadas as Instituições de Justiça – Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, Ministério Público do Estado de Minas Gerais e Ministério Público Federal, além de representantes do Comitê Pró-Brumadinho. Houve participação presencial do representante da Defensoria Pública, Antônio Lopes de Carvalho Filho, que ouviu os integrantes dos grupos de trabalho e respondeu às propostas e questionamentos.
Joelma Aparecida Honorato, da Comissão dos Recantos, avaliou positivamente a presença do defensor e afirmou: “Ele abriu as portas para fazermos novos convites e levar para o conhecimento dele a nossa realidade. Ele deixou aberta a possibilidade de contato direto, e vejo pra toda região como um ponto positivo. Esse contato nos dá uma segurança de sermos ouvidos, ao menos dessa vez”.
Com um minuto de silêncio em memória das vítimas do rompimento da barragem, começou oficialmente a programação. “Memória é nossa consciência crítica”. Com a frase de Ailton Krenak, Carla Wstane, diretora do Instituto Guaicuy, guiou sua fala de abertura do encontro, lembrando a importância da luta e organização das pessoas atingidas, para que fosse possível chegar até o momento atual e também para saber onde se quer chegar.
Todas as Comissões foram chamadas para se apresentar, com o estandarte oficial, entre elas a Ciranda, que é o espaço de organização e diversão das crianças, e a Mídia Jovem.
Depois da apresentação da pauta e dos materiais, os presentes foram divididos em quatro grupos. Os dois primeiros discutiram “Quem somos e onde estamos”, sendo um específico do Povo Kaxixó; outro grupo tratou sobre a organização das pessoas atingidas na Região 4 e o quarto grupo sobre as propostas de fluxo de comunicação com as IJs e CPB. Depois do intervalo, os grupos apresentaram suas discussões para a plenária, que trouxe alguns complementos para a versão final de cada coletivo.
No dia seguinte, os grupos levaram as discussões para a plenária com a participação do defensor Antônio Lopes de Carvalho Filho, do Núcleo Estratégico de Proteção aos Vulneráveis em Situação de Crise da Defensoria Pública de Minas Gerais.
O grupo 1 apresentou, em nome das pessoas atingidas presentes, uma carta de apresentação da região, seus problemas e reivindicações. “Nossas comunidades estão muito distantes umas das outras, as estradas rurais de acesso são precárias e não possuímos sinal de telefonia e internet. Muitas vezes, sequer temos acesso à energia elétrica. Passamos horas em deslocamento para poder participar de reuniões. Isso faz com que a participação em atividades ligadas à reparação seja muito difícil. Sem estrutura, não conseguimos nos reunir presencialmente para fazer uma reunião da Região 4”, diz um trecho da carta.
Confira aqui a carta na íntegra
Em seguida, os representantes do Povo Kaxixó falaram um pouco sobre seus rituais, modos de vida e como se organizam no território. Milena Aparecido Veloso da Cruz, representante dos Kaxixó, destacou a importância de suas tradições, como seus rituais são feitos na região, em qual época do ano e com qual especificidade. “O bom de um encontro desse é que a gente vai sabendo da tradição de cada pessoa e pode passar pros outros como a gente vive também. Porque todos fomos atingidos, de uma forma ou de outra”, disse.
O terceiro grupo falou sobre sua organização, sobre o histórico que os levou até a Instância Regional. “Para chegar na Instância Regional nós trilhamos um longo caminho, e fomos nos organizando nos nossos territórios. Foram assembleias, grupos de Whatsapp, grupos de estudos para entender os anexos e os próprios processos, reuniões, encontros de Comissões. São processos que ligam como um fio as comunidades para que a gente possa entender as informações e levar de volta para a nossa comunidade.”, lembra Cristina Aparecida Moreira Pereira, da Comissão Baú e Piau.
Por fim, os representantes do grupo quatro apresentaram a seguinte proposta de fluxo para as IJs:
Em seguida, o defensor Antônio Lopes de Carvalho Filho organizou suas considerações em cinco eixos:
No momento seguinte, chamado de “Palavra aberta”, as pessoas atingidas trouxeram alguns questionamentos e dúvidas, reforçando o pedido de contato direto com a instituição. O defensor respondeu posteriormente, repetindo a dificuldade de aderir em caráter institucional com o fluxo proposto, mas destacando sua disposição para marcar reuniões sempre que necessário, ainda que com dificuldade de serem realizadas no território.
Entre os encaminhamentos combinados no encerramento do Encontro, estão o envio da proposta de fluxo para as demais Instituições de Justiça convidadas pela Instância Regional e o envio da demanda de esclarecimento sobre a sustentabilidade das obras de acesso à água da Comissão Assentamentos ao Comitê Pró-Brumadinho.
Parte da programação oficial, no fim da tarde do dia 30, foi realizado o lançamento do livro digital “Após a lama, o Rio: diagnóstico socioambiental do Baixo Paraopeba, reservatório de Três Marias e comunidades atingidas do Rio São Francisco”.
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Além da diretora Carla Wstane e de Paula Constante, Assessora de Mitigação do Guaicuy, ambas organizadoras da publicação, participaram do lançamento as pessoas atingidas que estavam presentes e contribuíram para um capítulo escrito coletivamente por elas.
Julia da Silva Vieira, 12 anos, de Angueretá, participou da Mídia Jovem – coletivo que tem feito oficinas e coberturas dos Encontros de Comissões – avalia que esses momentos são muito importantes para conhecer pessoas novas e fortalecer a amizade com vizinhos e outras pessoas. Ela pede para contar pro seu pai, Anderson Vieira da Silva, uma das lideranças da comunidade, que é uma ótima entrevistada.
O pai, além de concordar, diz que a oportunidade ver os filhos nesses espaços é muito gratificante, e ajuda a fortalecer o entendimento e pertencimento à luta.
As crianças também tiveram um espaço especial durante o encontro, com brincadeiras e a construção de uma linda história, que foi apresentada a todos no final. “Juntos os peixinhos são mais fortes”, resumiu Helena Vitória, de 6 anos.
Outro ponto forte do Encontro foi a realização da 2ª edição da Catira do Cerrado, feira de troca e apresentação dos produtos das pessoas das várias comunidades.
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