Instituto Guaicuy

Solução para a crise de dengue em Antônio Pereira passa por escuta à comunidade

15 de fevereiro, 2024, por Ellen Joyce Marques

População do distrito, que é polo da mineração em Ouro Preto, sofre com a grande quantidade de pessoas com dengue e apresenta propostas concretas para solução do problema

Foto: Gabriel Nogueira / Instituto Guaicuy

Na matéria “Distrito atingido pela mineração predatória é foco de dengue em Ouro Preto/MG”, foi dado o alerta: 85% dos casos de dengue do município estão concentrados em Antônio Pereira. Parte significativa dos focos do Aedes aegypti está na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS), onde imóveis de famílias removidas pela Vale, em razão do risco de rompimento da Barragem Doutor, encontram-se abandonados, depredados ou demolidos. A quantidade de entulho, aliada às chuvas de verão, é terreno propício para a proliferação do mosquito que transmite dengue, zika e chikungunya.

O Instituto Guaicuy, que atua como Assessoria Técnica Independente da comunidade de Antônio Pereira, tem acompanhado as denúncias e as demandas da população. Povo de luta, as pessoas têm encarado o problema de frente, exigindo medidas concretas para acabar com a dengue no distrito. Entre as principais reivindicações estão: 

1) vacina contra a dengue para a população do distrito e todos os servidores ligados à saúde na UBS de Antônio Pereira; 

2) reforço das equipes de saúde da UBS (como aconteceu por ocasião da Covid-19, quando somente Antônio Pereira ficou na onda vermelha); 

3) ampliação do horário de funcionamento da UBS em caráter emergencial até às 19 horas; 

4) equipe de reforço para a UBS, a fim de atender a grande demanda de pessoas com sintomas de dengue; 

5) intensificação da campanha educativa da prefeitura contra a dengue em todo o distrito; 

6) limpeza e retirada de entulho da ZAS;

7) contratação de empresa especializada em controle de pragas com liberação de fumaça via drone para alcançar toda a extensão do distrito, a ser paga pela Vale em parceria com a prefeitura.

Em busca de solução

Wemerson Rodrigues Lúcio (Titão) é presidente da Associação de Moradores de Antônio Pereira (AMAP) e, como liderança comunitária, dialoga com a população sobre as mazelas da dengue no distrito. “A gente tem conversado com algumas lideranças tanto daqui quanto da sede, e a gente notou que o índice de dengue aumentou muito depois que essas famílias foram retiradas… após a retirada dessas famílias da ZAS, o número de casos de dengue quase que quadruplicou no nosso distrito”.

Titão vê de perto o sofrimento causado pela dengue. “A minha mãe até hoje está com sintomas de dengue. Minha vó, Jacira, ficou internada uns dias no hospital com dengue. Do lado aqui, o vizinho tem duas filhas que ficaram internadas por causa da dengue”. O presidente da associação conta que fez uma busca por empresas especializadas em controle de pragas com tecnologia adequada para atender o distrito de acordo com a gravidade do problema. Segundo ele, três empresas apresentaram propostas que teriam efetividade: “A proposta que realmente dá resultado e tem eficiência é porque ela vai onde o homem não vai, porque são drones que jogam fumaça aérea. O drone vai onde o ser humano às vezes não consegue ir, neutralizando tanto o mosquito quanto as larvas também”. De posse dessas propostas de prestação de serviço, no dia 7 de fevereiro, ele procurou a Vale e a Prefeitura de Ouro Preto. No entanto, até hoje aguarda uma resposta. “Então assim, só Deus na causa. Infelizmente, enquanto não vier a óbito alguém, a gente não vai ser ouvido”, desabafa Titão.

Foto: Gabriel Nogueira / Instituto Guaicuy

Maria Silvana de Oliveira Inácio é categórica ao relatar a relação entre o abandono das moradias de famílias removidas e a situação da dengue no distrito: “Era casa de ser humano e hoje virou casa de mosquito da dengue!”. A moradora de Antônio Pereira, que se encontra desempregada em razão de problemas respiratórios, conta que esteve hospitalizada por oito dias e, assim que voltou para casa, pegou dengue. A falta de acesso aos serviços de saúde de urgência e emergência de Ouro Preto deixam Maria Silvana ainda mais preocupada. “Aqui, quando a gente passa mal no final de semana ou feriado, a gente tem que recorrer em Mariana porque o posto de saúde não abre no feriado e nem no sábado e domingo”. Além da responsabilidade da Vale no cuidado com os imóveis da ZAS, ela destaca o papel da prefeitura na realização de efetiva campanha educativa sobre os riscos da dengue para o distrito. “Falta um pouco de conscientização da prefeitura com a comunidade. Falta diálogo com a comunidade de Antônio Pereira”.

A policlínica de Mariana, que fica na Rodovia do Contorno, no bairro Colina (em frente à Arena Mariana), segue atendendo diversos casos de pessoas que testam positivo para dengue, inclusive aquelas que saem de Antônio Pereira em busca de atendimento médico. No dia 9 de fevereiro, a Prefeitura de Mariana, por meio da Secretaria de Saúde, decretou “Situação de Emergência em Saúde”, devido ao aumento dos casos. Com isso, o município visa conseguir ajuda dos governos estadual e federal para o combate à dengue.

O medo que aprisiona

“Ele ainda sente dor no corpo, mesmo passando mais de dez dias”, relata Julia Vitória Rodrigues Novais. A moradora de Antônio Pereira fala da situação do marido, que teve dengue acompanhada de dor no corpo, manchas vermelhas na pele e náuseas. “Depois dos dois primeiros dias, foram muitas dores nas pernas que ele sentiu. Ele teve que ficar quatro dias de atestado em casa para se recuperar. Voltou a trabalhar, mas mesmo assim com algumas dificuldades”.  

Mãe de três filhos, Julia e sua família vivem uma situação atípica de isolamento. Com um menino de nove anos e dois bebês em casa – um de dois anos e meio, que tem transtorno de espectro autista, e um de apenas cinco meses – o medo da dengue impera e impede a liberdade da família. “Eu fico com a casa o dia inteiro fechada e os meninos estão passando repelente. Eu tenho medo de sair na rua com eles. Pra eles não serem picados, a gente fica mais dentro de casa com janela, porta tudo trancado, pra evitar dos meninos até mesmo brincarem no terreiro”. 

A família é vizinha de casas depredadas após as remoções de moradores pela mineradora Vale. Com lixo, entulho e abandono, as moradias viraram foco de mosquito Aedes aegypti. “Na frente da casa que eu moro, quando o sol começa a bater, no reflexo da janela dá pra ver muito mosquitinho voando. Está uma situação horrorosa de litro, lixo, pote, tem muito, mas muito lixo mesmo”. 

Alerta: a dengue é perigosa!

Na última segunda-feira, dia 12 de fevereiro, o Ministério da Saúde informou que o Brasil já tinha ultrapassado a triste marca dos 500 mil casos de dengue, em que pelo menos 75 pessoas morreram em razão da doença no país.  Em Antônio Pereira, a comunidade está em alerta: são cerca de 200 pessoas com testes positivos para dengue no distrito. O número pode ser subnotificado, uma vez que nem todas as pessoas apresentam sintomas ou sintomas graves o suficientes que as levem a buscar ajuda médica.

Os números costumam ser “frios”, não dão conta do impacto de uma doença que se alastra por um território nem do que isso pode gerar na dinâmica comunitária de um distrito.  São os relatos, não os números, que evidenciam os danos cotidianos vividos pelas famílias que enfrentam o problema. São vozes, principalmente femininas, que ecoam as reivindicações e clamam por solução. São elas que falam sobre a intensidade das dores que cada corpo adoecido sente, porque são elas que, geralmente, cuidam, ainda que estejam também doentes. 

Maria Aparecida Custódia de Morais é uma dessas mulheres. Ela pegou dengue há cerca de 20 dias, sente dores por todo o corpo, muita coceira e, apesar de estar doente, segue cuidando de seu pai. Idoso, ele já estava acamado e com suporte de oxigênio, mas o estado de saúde piorou significativamente depois da dengue. “Com o negócio dessa dengue ele não tá se alimentando, aí cê faz a comida e não consegue pôr na boca dele, ele não come, sabe, ele tá com muita dor, muita dor mesmo!”, lamenta a filha. Apesar do cuidado com o imóvel da família, ela também sofre com o adoecimento do pai. “Eu não sei como ele pegou dengue, está dentro de casa, aqui dentro não tem água parada”, destaca. A maior parte da família de dona Maria Aparecida mora em Antônio Pereira e mais de dez pessoas da família contraíram dengue. “Ainda tem gente acamada. Tá lá pelejando com os meninos, com os netos, com todo mundo. Meu pai aqui também, tá difícil cuidar dele”.

Relatos de pessoas com dengue em todo Brasil podem ser acessados na campanha nacional de combate às doenças transmitidas pelo Aedes aegypiti. Além disso, no site do Ministério da Saúde é possível encontrar informações confiáveis sobre medidas preventivas, dados a respeito de arboviroses no Brasil, entre outras. Em caso de suspeita de dengue, não tome remédios por conta própria, procure atendimento médico e se hidrate.


Por Ellen Barros, com apoio de Laura Alice e Júlia Zuza

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