Na tarde do dia 25 de janeiro de 2019, o rompimento da barragem da Vale no Complexo Minerário do Córrego do Feijão, em Brumadinho, mudou para sempre a vida de milhares de pessoas. As 14 milhões de toneladas de rejeitos tóxicos da barragem calaram a vida de 272 pessoas, causaram diversos impactos ambientais e afetaram o modo de vida de dezenas de comunidades ao longo do Rio Paraopeba, da represa de Três Marias e do Rio São Francisco.
Em lembrança aos quatro anos do desastre-crime, diversos atos acontecem ao longo do dia de hoje em Brumadinho e em Belo Horizonte [veja a programação aqui]. “O dia de hoje é de luto, de muita tristeza pela morte de 272 pessoas e também é um dia de luta, também pelas pessoas que tiveram suas vidas afetadas de uma forma diferente todos os dias”, resume a Diretora de Projetos do Instituto Guaicuy, Carla Wstane.
A lama tóxica atravessou 25 municípios e levou prejuízos distintos para as pessoas que vivem em cada um deles. As pessoas atingidas enfrentaram a perda de entes queridos, problemas de saúde física e mental, prejuízos econômicos, desestruturamento de núcleos familiares, queda em cadeias produtivas fundamentais e mudanças drásticas no modo de viver e na qualidade de vida.
Nas Regiões 4 (Pompéu e Curvelo) e 5 (Represa de Três Marias e comunidades banhadas pelo São Francisco nos municípios de São Gonçalo do Abaeté e Três Marias) – que são assessoradas pelo Instituto Guaicuy – há enormes desafios para garantir a reparação integral.
“As pessoas atingidas, nos quatro anos de desastre-crime em andamento, não puderam experimentar o sentimento de justiça, através da punição dos culpados, da participação nas tomadas de decisão, no acesso à informação nas ações que realmente visem a reparação”, afirma Kléber Castelar, da comunidade de Novilha Brava, no município de Pompéu.
Muitas pessoas e comunidades atingidas ainda lutam pelo direito de serem reconhecidas como atingidas pelo desastre-crime, especialmente na Região 5. Além disso, enfrentam problemas para acessar políticas de reparação, como é o caso do Programa de Transferência de Renda (PTR – Anexo 1.2 do Acordo assinado entre Vale e Poder Público), cujos critérios de comprovação de residência muitas vezes destoam da realidade das pessoas.
O acesso a medidas emergenciais, como água mineral, água para dessedentação animal e ração para os animais, é outro ponto desafiador da luta das pessoas atingidas, mesmo 4 anos depois do desastre-crime. Destaca-se, ainda, a luta das pessoas atingidas das Regiões 4 e 5 para participar efetivamente dos processos de decisão sobre os rumos da reparação. Necessidade expressa na recente construção de um Sistema de Participação da Bacia, que prioriza a participação popular e o protagonismo das pessoas atingidas nos debates sobre a reparação coletiva e individual dos danos causados pelo desastre-crime.
O Instituto Guaicuy atua como Assessoria Técnica Independente (ATI) das pessoas atingidas nas Regiões 4 e 5 e trabalha para que as pessoas atingidas participem de maneira informada de todo o processo que busca a reparação pelos danos causados. Isso se dá por meio da elaboração de documentos, de estudos, de análises, e de um profundo trabalho de campo que busca contribuir na organização das comunidades atingidas.
Pouco depois do rompimento da barragem, o IGAM recomendou que as águas do Rio Paraopeba não fossem utilizadas de nenhuma forma até a altura da barragem de Retiro Baixo, entre os municípios de Curvelo e Pompeu. A medida foi tomada após a detecção de níveis de metais pesados acima do recomendado, com base em determinações da vigilância sanitária.
A recomendação do IGAM continua em voga. Além disso, estudos e análises ambientais do Instituto Guaicuy encontraram anormalidades, tanto nas águas, como nos peixes, abaixo de Retiro Baixo. Apenas o Poder Público pode atuar no sentido de recomendar, ou não, a utilização das águas do Rio Paraopeba e da represa de Três Marias.
Tais resultados reiteram a importância de estudos independentes a respeito dos impactos ambientais causados a partir do rompimento da barragem. Em 2023, foi publicado outro estudo independente, dessa vez conduzido por profissionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontando a proliferação de superbactérias resistentes a antibióticos no Rio Paraopeba.
Os impactos ambientais, de curto e longo prazo, não puderam ser compreendidos em todas as suas dimensões, por isso é fundamental seguir realizando análises independentes.
Embora o processo criminal tenha sido instaurado em março de 2020, após denúncia do Ministério Público de MInas Gerais, ninguém foi julgado ainda. A jurisdição do caso já foi mudada diversas vezes entre a Justiça de Minas Gerais e a Justiça Federal. Apenas na tarde de terça (24/1), a Vale, a Tüv Süd e diretores e funcionários das empresas viraram réus por crimes ambientais e homicídios.
Até dezembro de 2022, quando o STF remeteu o caso à Justiça Federal, o processo penal contra diretores, funcionários da mineradora e da consultoria alemã Tüv Süd (que produziu relatórios atestando a segurança da barragem) estava sendo julgado pela Justiça Estadual de Minas Gerais.
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