As pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale na Bacia do Paraopeba, Represa de Três Marias e Rio São Francisco solicitaram em março, em reunião com o juiz Murilo Silvio de Abreu, a divulgação pública dos resultados da perícia realizada pelo Comitê Técnico-Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG). As pesquisas identificaram diversos tipos de danos causados pelo crime-desastre ocorrido em janeiro de 2019, além de levantarem dados fundamentais para entender a dinâmica de muitos processos socioambientais após um rompimento da gravidade que houve.
Do outro lado, a Vale quer que os resultados de quase metade dessas perícias sejam mantidos em sigilo. Em fevereiro deste ano, a mineradora solicitou a suspensão temporária da decisão do juiz, que em novembro de 2023 determinou a divulgação dos estudos. O pedido foi rejeitado pelo desembargador André Leite Praça, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a segunda instância da Justiça que avalia o caso.
A mineradora justifica os pedidos de sigilo alegando duplicidade de perícias após o Acordo Judicial de Reparação, e defendendo que apenas os estudos contratados e pagos por ela – Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), parcialmente realizados pelo Grupo EPA, e o Plano de Recuperação Socioambiental, realizado pela empresa Arcadis – e auditados por empresa também contratada pela ré (AECOM) sejam considerados no processo. Para a Vale, após o Acordo, as pesquisas não só deixaram de valer como perícia, como deveriam deixar de existir. Antes do sigilo ter sido retirado e alguns dos estudos concluídos, o argumento da mineradora era que deveriam ser descartadas as amostras coletadas entre 2020 e 2021. O CTC/UFMG ainda aguarda liberação de recursos para o exame de amostras armazenadas, como o Subprojeto 54, que visa identificar alterações patológicas nos peixes da Bacia do Paraopeba.
Além da manifestação das pessoas atingidas, a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) também solicitou ao juiz a intimação do CTC/UFMG para organizar uma apresentação resumida dos dados das perícias em audiência pública, que ainda não foi marcada. Em junho, o juiz intimou a Vale a se manifestar a respeito da audiência, pedido que a mineradora considerou “descabido”, alegando que o CTC/UFMG deveria apenas acompanhar os Estudos de Risco a partir do Acordo Judicial de Reparação e que nenhum resultado poderia ser divulgado antes da finalização desses estudos.
Para defender a manutenção do sigilo, a Vale cita até mesmo uma suposta “defesa das pessoas atingidas”. Para a mineradora, como os Estudos de Risco podem vir a ter resultado diferente da perícia, é melhor que os estudos do CTC/UFMG fiquem em sigilo. “A apresentação desses resultados em audiência pública, neste contexto dos processos e Estudos, não será benéfica para ninguém, em especial para as pessoas atingidas”, afirma a mineradora.
Cabe observar que foi anunciada, no final de maio, a contratação de uma nova entidade para condução dos Estudos de Risco, dado o atraso dos trabalhos do Grupo EPA, que nem chegou a concluir a primeira fase. Entre maio e junho, as Instituições de Justiça voltaram a solicitar a divulgação pública dos resultados das perícias em audiência pública, seguidas de novos pedidos de sigilo por parte da Vale.
“É fundamental que os resultados das perícias já realizadas sejam divulgadas às comunidades em audiência pública e estejam disponíveis para o conhecimento de toda a população, tanto porque a Vale segue emplacando a narrativa de uma reparação satisfatória enquanto grande parte das pessoas não faz ideia das consequências do crime-desastre, quanto porque a própria realização desses estudos faz – e a divulgação deles também deveria ser – parte do processo de reparação em si”, avalia Paula Constante, gestora do Escritório de Projetos de Mitigação do Instituto Guaicuy.
O Estado de Minas Gerais se manifestou pedindo que a Vale deposite o recurso faltante para a execução das pesquisas do CTC/UFMG, e o Ministério Público aponta que já se esgotaram as tentativas de negociação extrajudicial com a mineradora para chegar a um entendimento sobre as perícias. Para o MP, deve prevalecer o princípio da Reparação Integral, da transparência e da participação informada, previstos inclusive no Acordo celebrado. Já a Defensoria Pública de Minas Gerais destacou que a publicidade dos atos processuais é a regra determinada pela Constituição (art. 5º, LX), e não a exceção.
Além das perícias do CTC/UFMG, outros estudos também foram incluídos no processo, como aqueles realizados pelas Assessorias Técnicas Independentes e os realizados pela assistente técnica da Vale – a Universidade Federal de Viçosa. O Instituto Guaicuy, por exemplo, divulgou os resultados dos estudos no Banco de Dados lançado em janeiro deste ano.
Imagem: Daniela Paoliello/Guaicuy.
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