Instituto Guaicuy

Desastre-crime: quais são os estudos periciais que a Vale quer manter em sigilo?

27 de fevereiro, 2024, por Camila Bastos

UFMG foi nomeada como perita do juiz para o levantamento de danos, mas Vale quer o sigilo dos resultados 

Na semana passada, a Vale, mais uma vez, se manifestou solicitando que os estudos periciais realizados pelo Comitê Técnico-Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC/UFMG) sejam mantidos em sigilo. A pedido do juiz do processo, os estudos periciais que a Vale quer manter em sigilo são realizados para o levantamento dos danos causados pelo rompimento da barragem em Brumadinho.

Quais são os 32 estudos periciais que a Vale quer manter em sigilo?

Inicialmente, o CTC/UFMG havia sido nomeado para produção de provas periciais a partir de análises técnicas, denominadas de “Projeto Brumadinho”, que foram organizadas e subdivididas em 67 “Chamadas periciais” (ou “subprojetos”) tratando cada uma sobre temas específicos (ex.: contaminação da água por rejeitos, danos aos peixes do Paraopeba, danos econômicos, etc.). Em sua última manifestação judicial, a mineradora citou nominalmente 32 dessas chamadas, pedindo que o resultado delas fossem mantidos sob sigilo. 

As análises periciais da UFMG têm como objetivo o levantamento dos danos que o rompimento da barragem da Vale causou na economia, na saúde e no meio ambiente das comunidades. Muitas dessas análises foram concluídas, mas não há transparência para as pessoas atingidas sobre os seus resultados, que até hoje não foram divulgados publicamente. 

As Chamadas 25 e 26, por exemplo, eram dedicadas a verificar a presença de metais nos peixes da Bacia do Paraopeba, enquanto a 53 busca determinar a causa da morte de animais domésticos nas áreas atingidas e a 49 analisa os impactos do rompimento sobre a estrutura de saúde das comunidades. 

Veja de que tratam as análises citadas pela Vale na semana passada. 

Análises independentes

Ao longo do processo, outros estudos períciais foram incluídos, inclusive conduzidos pelas Assessorias Técnicas Independentes – como os apresentados pelo Guaicuy no final de janeiro. A pluralidade de análises é fundamental para que as pessoas atingidas tenham acesso a informações completas e independentes a respeito das consequências causadas pelo desastre-crime, como explica Pedro Andrade, advogado do Instituto Guaicuy. 

Apresentação do Banco de Dados e Estudos do Instituto Guaicuy, em janeiro. Foto: Daniela Paoliello/Instituto Guaicuy

“Diversas etapas do processo de reparação foram delegadas para empresas privadas dotadas de conflitos de interesse com a mineradora. No caso do Rio Paraopeba, em especial, se verificou a terceirização da atividade de mapeamento de danos ambientais para a empresa Arcadis, contratada diretamente pela Vale, o que resultou no esvaziamento das perícias judiciais independentes executadas pelo CTC/UFMG. Tais perícias haviam sido estabelecidas ainda em 2019 pelo juiz do processo, Elton Pupo Nogueira, com o objetivo de mapear, de forma independente, os danos ao meio ambiente e às comunidades, para eventualmente ser elaborado um Plano de Reparação oficial do Juízo. No entanto, esse plano foi abandonado, sendo delegada a tarefa de elaboração do Plano de Reparação exclusivamente para a Arcadis, deixando as pessoas atingidas sem o contraponto de um órgão científico e independente como a UFMG”, afirma. 

O que diz a Vale?

Em sua argumentação, a defesa da mineradora alega que os estudos periciais que a Vale quer manter em sigilo, realizados pela UFMG, teriam sido extintos a partir do Acordo Judicial de Reparação, assinado em fevereiro de 2021. Isso porque, a partir do Acordo, a Vale teria passado a ter obrigações (de pagar ou de executar) em relação às análises de meio ambiente e saúde, que acontecem nos contextos do Estudos de Avaliação de Risco à Saúde Humana e Risco Ecológico (ERSHRE), executado pelo Grupo EPA, e do Plano de Recuperação Socioambiental da Bacia do Rio Paraopeba e da Represa de Três Marias (PRSABP), executado pela empresa Arcadis.

Por isso, a mineradora alega duplicidade e defende apenas a execução dos estudos e perícias contratados e custeados por ela. Ainda segundo a Vale, os trabalhos seriam auditados pela AECOM, também contratada pela Vale, que apresenta para as Instituições de Justiça (IJs) um boletim periódico das atividades executadas. Por diversas vezes, as pessoas atingidas cobraram por participação nos estudos, transparência no acesso a esses dados e divulgação das informações em linguagem democrática e acessível.

“Ao alegar a ‘duplicidade’ dos estudos, o que a Vale busca é, na verdade, a ‘exclusividade’ de estudos por uma empresa contratada diretamente por ela, sem qualquer outro contraponto de peritos do Juiz ou das próprias ATIs”, afirma Pedro Andrade. “Nada impede que sejam realizados dois estudos sobre os mesmos danos, pelo contrário, pelo princípio do contraditório deveria ser garantido, às pessoas atingidas, técnicos de sua confiança que possam emitir uma ‘segunda opinião’ sobre os estudos da mineradora. A intenção da Vale de monopolizar os estudos técnicos do processo somente se confirma pelo recente pedido de sigilo das perícias do CTC/UFMG”, complementa.

 

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