Instituto Guaicuy

Guaicuy informa o Ministério Público sobre fragilidades do processo demolição das casas da ZAS de Antônio Pereira

14 de setembro, 2023, por Tayná Guerra

Nesta quarta-feira (13/09), o Instituto Guaicuy enviou um ofício ao Ministério Público de Minas Gerais com informações sobre a proposta da mineradora Vale para a demolição das casas situadas na Zona de Autossalvamento (ZAS). No documento, a ATI relata as fragilidades do processo de demolição como, por exemplo, a falta de clareza sobre as ações de contenção da poeira que impactam diretamente a rotina, saúde e bem estar da comunidade. As demolições podem impactar também no futuro levantamento da perícia, seja na avaliação de danos coletivos ou individuais homogêneos. Exemplo desse impacto seria a impossibilidade de valoração do imóvel demolido e se as pessoas receberam justa indenização por ele.

O Guaicuy, Assessoria Técnica Independente das pessoas atingidas pela obras de descomissionamento da Barragem Doutor, em Antônio Pereira, começou a acompanhar o assunto a partir de uma reunião realizada na última segunda-feira (04/09). A reunião contou com a participação da Vale, Defesa Civil, CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) e Prefeitura de Ouro Preto e lideranças comunitárias do distrito. Na ocasião, Ronald Guerra, coordenador-geral da ATI Antônio Pereira e vice-presidente do Instituto Guaicuy, pontuou que a demolição dos imóveis envolve danos já existentes na comunidade e precisa do parecer do Ministério Público.

“Eu acho complicado fazer todo esse processo sem ter uma legitimação do Ministério Público ou do processo judicial. Que a situação é muito mais complexa e que envolve outros danos que vêm ocorrendo no território em relação, não só no que diz respeito a essas moradias que serão demolidas. Expliquei também que o GEPSA (perito da justiça no processo contra a Vale) estava chegando no território fazendo o cadastro e o levantamento dos danos. Que o Instituto Guaicuy também está ali já trabalhando, representando os atingidos, que é importante ter essa discussão de forma mais ampliada”, afirmou o coordenador.

Segurança e clareza são prioridades

Segundo a Vale, as obras são uma demanda da própria comunidade. No entanto, é importante destacar que o Guaicuy, enquanto ATI das pessoas atingidas de Antônio Pereira, não se opõe às demolições ou quaisquer outras ações que tragam segurança e bem estar à população. Os questionamentos da ATI se referem ao modo como esse processo está sendo realizado, sem apresentação de proposta para o local após as demolições, sem a devida comunicação ao MP e sem garantias de segurança para a comunidade. “Tem uma série de questões que devem ser avaliadas, além da própria remoção. Porque não adianta fazer a remoção e a população ficar exposta a problemas de segurança, falta de iluminação, de infraestrutura”, completou Ronald Guerra.

Após essa primeira conversa, foi marcada uma segunda reunião, no dia 6 de setembro, com o Ministério Público, Defesa Civil, o Guaicuy e a Vale, no entanto, a mineradora não compareceu. O passo seguinte foi dado pela Defesa Civil, que se comprometeu a inquirir a Vale sobre o início dos trabalhos de demolição dos imóveis, que estava marcado para o dia 11 de setembro.

Além de enviar um ofício ao Ministério Público de Minas Gerais com informações sobre as demolições das casas situadas na Zona de Autossalvamento e as implicações e impactos das obras feitas sem a devida transparência e ampla comunicação com a comunidade, o Guaicuy também informou ao Gepsa.

máquina pesada em meio a escombros das demolições das casas situadas na Zona de Autossalvamento

Maquinário começa retirada de entulhos da ZAS. | Crédito: Gabriel Nogueira

Informações insuficientes por parte da mineradora

Às vésperas do início das demolições, a mineradora distribuiu pelo whatsapp, uma cartilha informativa, no formato PDF, para os moradores que residem próximos às casas que serão derrubadas. A cartilha traz dados relacionados à justificativa para a demolição, como o processo será realizado, etapas a serem executadas durante e após as demolições, e telefones para contato com a Vale.

Contudo, o material não fornece informações mais precisas para a população sobre os impactos causados durante as obras e o que será feito para amenizar os problemas causados pela poeira e ruído, o que será feito nos terrenos que ficarão vazios, se todas as famílias atingidas serão avisadas e se as antigas donas dos imóveis terão algum tipo de acolhimento psicossocial, visto que a derrubada desses espaços representa o rompimento de laços comunitários, afetivos e históricos.

A mineradora tampouco apresentou cartografias das casas demolidas, registro que poderia ser considerado no dimensionamento dos danos e fomentar a memória das famílias que foram deslocadas a partir de uma remoção forçada.

Demolições iniciaram nesta quarta-feira

Durante a produção e envio de ofícios sobre o caso aos órgãos competentes, o Instituto Guaicuy foi informado pela Defesa Civil que as obras foram iniciadas na manhã desta quarta-feira, 13 de setembro.

O Guaicuy esteve no bairro Dom Luciano conversando com as pessoas no local onde ocorreram as primeiras demolições. Sem querer se identificar, as pessoas contaram que foram parcialmente informadas sobre as demolições (algumas tiveram acesso à cartilha digital), outras não estavam sabendo, mesmo morando bem próximo à ZAS.

Apesar de concordarem com a demolição, o grupo afirmou que a mineradora não avisou adequadamente a vizinhança. Os informativos foram enviados por WhatsApp para uma parcela da região e o distrito, como um todo, não está ciente das ações.

Uma moradora, que também não quis se identificar, conta que foi informada pelo marido: “ele saiu de casa pela manhã, viu a movimentação e perguntou o que estava acontecendo. Aí o pessoal da Vale falou que era demolição das casas”. Apesar da surpresa, a moradora conclui: “eu acho até bom demolir mesmo por que está tendo muito usuário de drogas escondido ali dentro, escondido de polícia, muitos bichos aparecem, é poeira, mato, os meninos vão brincar e tá saindo escorpião e cobra debaixo das casas paradas.”

Outros moradores do local relataram que a demolição das casas da Zona de Autossalvamento impacta no valor das casas do entorno: “minha casa desvalorizou muito. Quem é que vai querer comprar uma casa ao lado da Zona de Autossalvamento?”, questiona outra moradora do bairro que também não quis se identificar.

O futuro da ZAS

Sobre a destinação do local  onde as casas serão demolidas e após o descomissionamento da Barragem Doutor, a comunidade do entorno concorda que tem que ser um espaço para o lazer ou para convívio da comunidade.

“Eles tinham que fazer alguma coisa de lazer para as crianças brincarem, só tem lazer lá embaixo, na quadra, aqui mesmo (Loteamento Dom Luciano) não tem nada para as crianças. Aqui só tem mato e sujeira. O tanto de entulho que tem”, lamentou a moradora.

Outra moradora do bairro, que também pediu para ter sua identidade preservada, conta que sente muito pela perda do convívio com os vizinhos: “eu só queria que aqui fosse como antes, cada um na sua casa, cada um quietinho, porque as pessoas que saíram daqui criaram seus filhos aqui, tiveram toda uma vida, moraram aqui mais de 30, 40 anos, e agora tiveram que mudar pra outro lugar. Tem pessoas que não se adaptaram e voltaram pro Pereira. Eu conheço pessoas que foram indenizadas e compraram casa aqui.”

Justificativas da Vale

Em cartilha digital enviada a algumas pessoas pelo WhatsApp, a Vale informa que haverá demolição das casas por ela adquiridas e que estão localizadas em Zonas de Autossalvamento – ZAS.

Segundo o texto da cartilha, “O intuito dessa ação é atuar nas edificações que apresentam risco estrutural, infiltrações avançadas ou outros riscos, atendendo à solicitação da comunidade. Todos esses imóveis encontram-se desocupados.”

Em outro trecho a mineradora ressalta que os imóveis escolhidos são os que foram adquiridos pela Vale.

“As demolições se voltam apenas a imóveis de propriedade da Vale e respeitam os processos legais junto à Prefeitura Municipal de Ouro Preto. O cronograma das demolições foi apresentado às lideranças locais e vamos comunicar os vizinhos imediatos com antecedência, sinalizando as vias durante as demolições.”

No total, serão removidos 19 imóveis, que foram adquiridos pela mineradora através dos acordos individuais extrajudiciais, firmados com as pessoas atingidas. Segundo a cartilha distribuída pela Vale, a previsão de duração das obras é de 45 dias, no período de segunda-feira a sexta-feira, das 9:00h às 17:00h, e ocorrerão em 03 etapas não simultâneas.

A etapa 01 será a demolição de 06 imóveis localizados na Rua Vereador Irineu Faria; após concluída, inicia-se a etapa 02 com a demolição de 05 imóveis na Rua Projetada 10; e a etapa 03 será a demolição de 07 imóveis na Rua Projetada 15. Questionados se há um plano de contenção para poeira, a Vale informou que pode haver a possibilidade de lavar as ruas, mas não citou previsão ou periodicidade.

Por Mariana Viana com a colaboração de Laura Alice e Tayná Guerra

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