O Instituto Guaicuy publicou, nesta quarta-feira, 4 de dezembro, o livro digital (ebook) ‘Após a Lama, o Rio – diagnóstico socioambiental do Baixo Paraopeba, Reservatório de Três Marias e Comunidades Atingidas do Rio São Francisco”. O material é um compilado dos resultados de análises técnicas comandadas pelo Instituto em áreas como meio ambiente e saúde nas regiões onde o Guaicuy presta Assessoria Técnica Independente (ATI) às pessoas atingidas pela Vale com o rompimento da barragem em Brumadinho.
“Os dados desse material são para garantir a participação informada das pessoas no processo de reparação. Além disso, essas informações foram sistematizadas em documentos e levadas ao conhecimento do Ministério Público, da Defensoria Pública e de órgãos do Estado de Minas Gerais, para que as instituições possam ter mais subsídios para representar e defender as pessoas atingidas”, explica Carla Wstane, diretora do Instituto e uma das organizadoras do material.
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Além da diretora, o ebook foi pensado por Mônica de Cássia Souza Campos e Paula Constante, ambas integrantes da equipe de Projetos de Mitigação do Instituto Guaicuy. O material é também uma provocação às universidades e à sociedade civil a fazerem mais perguntas em relação às consequências do desastre-crime para o meio ambiente e para a sociedade. “O que aprendemos enquanto sociedade civil com o desastre-crime da Samarco, no Rio Doce? O que deve ser preocupação agora que um crime como esse ocorreu? As pessoas podem usar a água? O que acontecerá com os peixes? O que será das atividades econômicas que usam água? Quais impactos para a saúde humana e para os ecossistemas? Quais os impactos para os territórios? O que será da vida das pessoas?”, questiona o geógrafo Rodrigo Lemos no prólogo do material.
Para construir essa reflexão, o ebook conta com uma apresentação da defensora pública Carolina Morishita, que acompanhou o processo de reparação até meados de 2024, e de Procópio de Castro, presidente e diretor executivo do Instituto Guaicuy. Morishita reafirma a importância do protagonismo das pessoas que foram prejudicadas pela mineradora ré na construção de todos os levantamentos publicados. Para ela, o rigor técnico-científico não depende apenas de um laboratório com as credenciais corretas ou de referenciais teóricos. “A definição de pontos de coleta, o entendimento da relação da comunidade com determinados remansos, os usos e o consumo do peixe, as formas de pescar e tantos outros conhecimentos que a observação atenta vai acumulando comprovam que o rigor acadêmico não encontra excelência se descolado do entendimento científico dos territórios”, afirma.
O material também conta com um texto escrito coletivamente por diversas pessoas atingidas, no qual elas falam sobre o sonho de voltarem a ver o rio Paraopeba respirando. No artigo, o grupo conta sobre a experiência como atingidos pela Vale e fala sobre a esperança na reparação dos danos sofridos. “Este não é o livro que gostaríamos de escrever, mas precisamos mostrar que as nossas regiões também foram atingidas. Queremos ser alimentados de novo pelas endorfinas do sorriso, do abraço e da alegria de viver com simplicidade na beira de nossas águas”, diz um dos trechos.
Os dados ambientais primários apresentados no livro digital dizem respeito à avaliação dos seguintes pontos: águas do Paraopeba e reservatórios das Usinas Hidrelétricas Retiro Baixo e Três Marias, sedimentos em rios e lagos, ecotoxicidade de água superficial e sedimentos, solos das áreas marginais ao rio. Além disso, foram coletados e analisados os peixes e outras comunidades aquáticas para avaliação de aspectos ecológicos. Em relação às pesquisas em saúde, foi feita a análise da situação de saúde das pessoas atingidas, levando em conta perspectivas sociais, econômicas, biológicas, ambientais, ecológicas e de serviços de saúde.
1 – A partir de diversas análises, foram constatadas alterações em peixes livres tanto na Região 4, como na Região 5, da mesma forma que foram identificadas alterações nos níveis de metais relacionados aos sedimentos que ultrapassam o barramento de Retiro Baixo. Outro ponto de destaque é que a qualidade da água foi pior no período chuvoso do que durante as secas. A tendência é os sedimentos depositarem-se no fundo da água durante o período seco e serem revolvidos com as chuvas. Todas essas informações já foram disponibilizadas para as autoridades responsáveis pela análise e controle de qualidade da água, bem como para as comunidades locais.
2- Em Curvelo e Pompéu, onde foi realizado o Diagnóstico Familiar e Individual sobre Perda das Pessoas Atingidas (DFIPA), 56% das pessoas entrevistadas declararam alteração nos hábitos alimentares após o rompimento da barragem.
3- Nas Regiões 4 e 5 são inúmeros os relatos de piora em doenças pré-existentes após o rompimento, como intoxicação exógena (causadas por agentes de fora do organismo) em Biquinhas, Felixlândia e Martinho Campos; dengue em Três Marias, Felixlândia, Abaeté e Martinho Campos; leishmaniose tegumentar americana em Curvelo, Felixlândia, Paineiras e Três Marias; leishmaniose visceral em Pompéu, Curvelo, Abaeté e Felixlândia; hanseníase em Pompéu, Curvelo, Felixlândia, Morada Nova de Minas e Três Marias; tuberculose em Curvelo, Felixlândia, Morada Nova de Minas e Três Marias; meningite em Curvelo, Três Marias e Abaeté. A Pesquisa em Saúde aponta para o aumento de doses de medicações e para o surgimento de complicações geradas pelas alterações no modo de vida provocadas pelo rompimento.
4 – Na região da Represa de Três Marias, houve aumento de demandas de saúde mental, principalmente nos municípios de Três Marias, Morada Nova de Minas, São Gonçalo de Abaeté e Felixlândia. Os profissionais de saúde destas localidades que foram entrevistados apontam a incidência de ansiedade, depressão, insegurança e medo como consequências do risco potencial da contaminação da água, causando problemas profissionais, financeiros e emocionais.
5 – Em Curvelo e Pompéu, a Pesquisa em Saúde detectou prejuízo aos laços culturais e à noção de pertencimento pelo afastamento de parentes e amigos que vinham até a região para compartilhar descanso e lazer. Também foi resgistrado o aumento dos casos de violência, especialmente nas residências, violências interpessoal e autoprovocada, e das situações de estigma e discriminação dos produtos comercializados, principalmente com relação aos peixes. Além disso, o não cumprimento das medidas emergenciais por parte da Vale causa problemas como aumento de conflitos conjugais e comunitários, além da discriminação pela luta por direitos no processo de reparação.
6 – Após o rompimento, a fragilidade econômica das famílias foi agravada. Houve mudanças nas condições de trabalho em, aproximadamente, um quinto dos domicílios. Nessa mesma proporção, foi notada a mudança do tipo de trabalho exercido. Também foi declarada perda de renda em 43,8% dos domicílios entrevistados em Curvelo e Pompéu. De maneira preocupante, houve redução na participação do trabalho como principal fonte de renda das famílias, que passaram a depender mais das aposentadorias, pensões e outras fontes de renda. Isso pode ser interpretado como um sinal de aumento de risco à pobreza e comprometimento da autonomia financeira dos idosos, pois mais pessoas passaram a depender desses benefícios ou auxílios.
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