Instituto Guaicuy

Número de indenizações individuais pagas pela Vale é quase vinte vezes inferior à quantidade de pessoas atingidas por mineradora

29 de abril, 2024, por Laura de Las Casas

Audiência na próxima quinta busca discutir caminhos da resolução coletiva dos danos individuais de pessoas prejudicadas pela empresa 

Na próxima quinta-feira (2), uma audiência está marcada para seguir a discussão sobre os rumos das indenizações individuais das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 2019. A mineradora ré rejeita a possibilidade de uma resolução coletiva, na qual o valor pago a cada pessoa afetada, de acordo com os tipos de danos sofridos, seriam definidos de maneira conjunta, e segue defendendo que o melhor caminho é a resolução individual de cada um dos casos. A audiência será às 14h do dia 2 de maio, na sede do Fórum Cível e Fazendário do TJMG (av. Raja Gabaglia, 1753 – Luxemburgo, Belo Horizonte).

Um dos argumentos usados pela Vale é que ela já teria indenizado cerca de 8.700 pessoas, representando “quase (se não a total) integridade das pessoas que sofreram danos diretos com rompimento da barragem”. A informação foi divulgada pela própria mineradora em um recurso movido em 15 de fevereiro de 2024 contra a decisão que deu início à resolução coletiva das indenizações. As 8.700 indenizações foram pagas, segundo a Vale, por meio do Termo de Compromisso assinado em 2019 com a Defensoria Pública de Minas Gerais. Além disso, a mineradora afirma, no mesmo documento, ter indenizado também 368 pessoas por meio de acordos judiciais. 

Porém, esta justificativa não está convencendo as pessoas atingidas, as Instituições de Justiça (IJs) e as Assessorias Técnicas Independentes (ATIs). Isso porque a quantidade de pessoas atingidas pela mineradora ao longo dos 26 municípios prejudicados, de acordo com os registros das Assessorias, é de pelo menos 158 mil pessoas. O número é 18 vezes maior do que o de pessoas que a Vale afirma ter indenizado pelo Termo de Compromisso após o desastre-crime.

Em comparação, 132 mil pessoas de toda a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias recebem o Programa de Transferência de Renda (PTR), segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ou seja, mesmo com critérios excludentes e com dificuldades de acesso, o PTR chega a quase 15 vezes mais pessoas que as indenizações negociadas individualmente com a Vale. Já a população total dos 26 municípios atingidos é de cerca de 1 milhão de pessoas (segundo dados do IBGE). Considerando esse número, a indenização individual da Vale pelo Termo de Compromisso chegou a apenas 0,87% das pessoas dessas cidades. 

Entenda o caso

O Acordo Judicial de Reparação, assinado em fevereiro de 2021 pela Vale, Governo de Minas Gerais e IJs, resolveu somente os danos coletivos causados pelo rompimento, ou seja, aqueles provocados às comunidades, municípios e ao Estado de Minas Gerais. As indenizações devidas a cada pessoa atingida continuaram a ser discutidas judicialmente, e o  juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelo caso do desastre-crime da Vale, está fazendo avançar o processo de resolução (liquidação) coletiva das indenizações. 

Segundo  Ana Clara Amaral, advogada e Especialista em Reconhecimento do Instituto Guaicuy, ‘liquidação’ é o termo jurídico de uma fase do processo judicial que acontece após uma sentença parcial de mérito. “É o tipo de sentença que tivemos nesse processo. Ela não traz todos os elementos necessários para que a empresa pague a indenização e, por isso, é necessário que haja uma perícia que ajude a definir quais são os danos e quais são seus valores. Os ‘danos individuais’ são aqueles prejuízos e perdas causados pelo rompimento da Vale aos direitos, bens materiais e imateriais de cada pessoa atingida”, explica. 

A advogada pontua a grande diferença entre uma alternativa e outra. “Na via individual, a pessoa atingida vai precisar assumir a produção de suas próprias provas, de forma independente. Já no caso da resolução coletiva, a produção de provas será feita a nível de Bacia, por meio de uma perícia. Isso não deixa a pessoa sozinha numa disputa de laudos contra a Vale, o que seria um claro desequilíbrio de forças. A resolução coletiva dá a possibilidade de uma maior igualdade e justiça no tratamento, e de evitar entendimentos mais restritivos ou aleatórios, vindos de diferentes juízes, geralmente com pouca apropriação do caso da reparação”, completa. Segundo Ana Clara, a resolução coletiva garante maior capacidade econômica e técnica para as pessoas potencialmente atingidas, além de mais visibilidade para o caso.

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Linha do tempo 

Em decisão tomada em dezembro de 2023,  o juiz  determinou o início da resolução (liquidação) da sentença. Ele definiu que fossem fixados todos os critérios da obrigação de reparação dos danos. 

No entanto, em fevereiro, a Vale entrou com um recurso (chamado de “agravo de instrumento”) junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) – a segunda instância do caso – com o qual buscou reverter a decisão de primeira instância que determinou a resolução coletiva das indenizações individuais. O  Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) se manifestou apoiando a defesa da solução coletiva e foi acompanhado pela Procuradoria Geral de Justiça (PGJ). O efeito suspensivo do recurso da Vale foi negado pelo desembargador André Leite Praça. A mineradora tentou nas últimas semanas, novamente, suspender temporariamente a decisão de primeira instância com uma nova manifestação alegando urgência. E, novamente, o pedido da Vale foi negado. 

Dando seguimento a esse processo, foi marcada para o dia 2 de maio uma audiência na qual deverá ser discutida a metodologia a ser utilizada para a resolução coletiva, com a primeira apresentação das manifestações de cada parte – Instituições de Justiça, representantes das pessoas atingidas, e a ré, Vale. A Universidade Federal de Minas Gerais, escolhida pela Justiça para realizar as perícias relativas aos danos e seus valores, e as  ATIs (Guaicuy, Aedas e Nacab) também foram convidadas a participar. 

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Avaliação 

Ana Clara Amaral chama a atenção para a falta de transparência dos números apresentados pela Vale relacionados às indenizações pagas. “Não se sabe de quais regiões são essas pessoas, se estão em Brumadinho, por exemplo, ou na calha do Rio São Francisco, a área atingida mais distante. As pessoas que vivem nos lugares que ficam longe de onde o rompimento aconteceu muitas vezes têm menos acesso às negociações extrajudiciais. Elas acabam sendo mais difíceis e as pessoas têm mais dificuldades documentais”, pontua. 

“Outro ponto forte da resolução coletiva é que ela não funciona de maneira excludente a outros procedimentos individuais e acordos. Não é necessário escolher entre um e outro. Todas as pessoas atingidas podem tentar um acordo com a Vale. A questão é que, apenas na resolução coletiva, a Vale seria obrigada a indenizar um número maior de pessoas. Então é a garantia de existência de múltiplos caminhos para as pessoas atingidas acessarem a justiça”. Amaral também destaca que, apesar das pessoas atingidas terem sempre resguardado o direito de tentar um acordo , na prática, o Programa de Acordos Extrajudiciais da Vale se encontra com as inscrições encerradas.

A advogada ainda chama a atenção para a dificuldade existente em diversos territórios prejudicados de acesso direto à Defensoria Pública Estadual para atuar em casos de natureza cível, que é o caso da indenização. Segundo ela, o Guaicuy já recebeu muitos relatos de pessoas com dificuldades em acessar o atendimento ao Programa de Acordos Extrajudiciais (quando ele ainda estava aberto), já que o atendimento pelo telefone era todo voltado às situações de pessoas atingidas em Brumadinho, território mais próximo da barragem. 

Próximos passos 

Após a audiência, é necessário aguardar qual será o desfecho sobre o recurso movido pela Vale na segunda instância, na qual a mineradora critica a decisão tomada pelo juiz Murilo Silvio de Abreu em dezembro de 2023 e pede a anulação do que foi decidido. “Se a Justiça não concordar com a mineradora, o caminho segue sendo a resolução coletiva dos danos. Mas a Justiça também pode acatar somente parcialmente o pedido da Vale.  Eles podem, por exemplo, concordar com a necessidade de haver a resolução, mas não concordar com as etapas e com o método propostos pelo juiz”, explica a advogada do Guaicuy.

Gráficos de Priscila Justina/Guaicuy. Imagem de Vinícius Mendonça/IBAMA. 

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