Uma audiência realizada na tarde de quinta-feira (2), no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em Belo Horizonte, debateu a resolução coletiva das indenizações individuais das pessoas que foram atingidas pelo rompimento da barragem da Vale no Rio Paraopeba. O juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelo caso, deu 10 dias para que as Instituições Justiça (IJs) apresentem a listagem dos danos sofridos em toda a Bacia do Paraopeba, Represa de Três Marias e Rio São Francisco.
Participaram da audiência representantes da Defensoria Pública Estadual (DPE), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério Público Federal (MPF) e da Vale, empresa ré, responsável pelo rompimento que matou 272 pessoas e deixou um rastro de danos e destruição pelo estado. Também estiveram presentes representantes do Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC-UFMG), que atua como perita do juiz no caso. Pessoas atingidas de toda a Bacia e Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) puderam ouvir a audiência, mas não foram autorizadas a se manifestar.
A audiência foi marcada pelo juiz para que as IJs e a Vale apresentassem suas manifestações iniciais sobre a metodologia a ser utilizada para a resolução coletiva das indenizações individuais. Murilo Silvio de Abreu fez o processo avançar em dezembro de 2023, dando início ao processo de resolução (liquidação). A mineradora tentou, por duas vezes, suspender temporariamente a decisão na segunda instância e nas duas ocasiões teve seu pedido negado. Falta, ainda, a segunda instância julgar o mérito da questão, ou seja, o pedido da Vale para que não haja resolução coletiva das indenizações individuais.
A audiência teve início com a fala de Shirley Machado, procuradora do MPMG, que apresentou a proposta das IJs para organizar o processo de resolução coletiva das indenizações. As IJs propuseram três etapas:
A proposta também foi defendida por Davi Reis Salles Bueno, procurador do MPMG, e por Carolina Morishita, da Defensoria Pública. Na oportunidade a DPE mencionou a importância da definição de um fluxo de diálogo em relação ao tema para que a resolução (liquidação) avance.
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Em seguida, foi a vez dos advogados da Vale se manifestarem. Mais uma vez a mineradora negou a ideia da resolução coletiva das indenizações individuais, usando argumentos muito semelhantes aos já apresentados antes.
A Vale defende que não pode haver resolução coletiva das indenizações individuais porque isso seria um atentado à segurança jurídica, já que, para a empresa, o Acordo Judicial de Reparação (assinado em fevereiro de 2021 com IJs e Estado de MG) e o Termo de Compromisso (assinado em abril de 2019 com a DPE) já seriam suficientes para resolver as indenizações de maneira individual. Assim, a empresa ré se negou a apresentar na audiência uma proposta para a resolução coletiva das indenizações individuais. Também não se manifestou sobre a proposta das IJs.
Cabe lembrar que a mineradora já afirmou ter indenizado quase a totalidade das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem. A informação foi divulgada pela própria mineradora em um recurso movido em 15 de fevereiro de 2024 contra a decisão que deu início à resolução coletiva das indenizações. As 8.700 indenizações foram pagas, segundo a Vale, por meio do Termo de Compromisso assinado em 2019 com a Defensoria Pública de Minas Gerais. Além disso, a mineradora afirma, no mesmo documento, ter indenizado também 368 pessoas por meio de acordos judiciais.
Porém, esta justificativa não está convencendo as pessoas atingidas. Isso porque a quantidade de pessoas atingidas pela mineradora ao longo dos 26 municípios prejudicados, de acordo com os registros das Assessorias, é de pelo menos 158 mil pessoas. O número é 18 vezes maior do que o de pessoas que a Vale afirma ter indenizado pelo Termo de Compromisso após o desastre-crime. Em comparação, 132 mil pessoas de toda a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias recebem o Programa de Transferência de Renda (PTR), segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ou seja, mesmo com critérios excludentes e com dificuldades de acesso, o PTR chega a quase 15 vezes mais pessoas que as indenizações negociadas individualmente com a Vale.
Após as diversas manifestações, o juiz, as IJs e a Vale passaram a fazer algumas perguntas para os representantes do CTC-UFMG presentes na audiência. A perita indicou que as perícias em andamento não são excludentes à construção da Matriz de Danos, contradizendo a tese da mineradora de que é necessário primeiro encerrar as perícias em andamento para depois iniciar, se necessária, a resolução (liquidação) dos danos. Além disso, mencionou que são necessários estudos complementares para realizar a valoração dos danos.
O CTC-UFMG também afirmou que não vê incompatibilidade em realizar as perícias simultaneamente e que considera que há questões que não foram resolvidas pelas perícias já realizadas (a quantificação dos danos e dos valores). Indicou a Chamada 3 como um documento que pode ser usado como base para avançar na discussão dos danos.
O juiz Murilo Silvio de Abreu afirmou que, como a Vale não apresentou proposta para a resolução coletiva das indenizações, é necessário seguir debatendo a proposta das IJs. Ressaltou que, caso não haja decisão contrária na segunda instância (como espera a mineradora), a resolução coletiva vai seguir avançando.
Após diversos debates, o juiz apresentou os seguintes encaminhamentos:
As pessoas atingidas presentes solicitaram, ao final da reunião, poder ler uma carta endereçada ao juiz e às IJs. O juiz negou o pedido e disse que aquele não era o momento para manifestações desse tipo, mas se comprometeu a ler a carta.
Paula Constante, gestora do Escritório de Projetos de Mitigação, considera que a audiência realizada no Tribunal de Justiça de Minas Gerais reverberou como um ‘eco de esperança’ para as pessoas atingidas que viram suas vidas modificadas pelo desastre-crime. “As IJs, com uma determinação inabalável, apresentaram seu posicionamento e suas propostas para a liquidação coletiva. Apesar da sombra da resistência da Vale em abraçar essa jornada coletiva, a luz da determinação do juiz em avançar com o processo brilha como um testemunho ardente de compromisso com a busca incansável por justiça e pela reparação integral para todas as pessoas atingidas. As pessoas atingidas seguem aguardando esse momento há mais 5 anos”, comenta.
Gleicilene Souza, da Comissão Village das Flores (Felixlândia, Região 5) e do grupo Sentinelas, avaliou que a audiência foi produtiva. “A reunião foi muito produtiva. As IJs querem avançar, mas infelizmente a Vale sempre fala sobre o Acordo Judicial, protela muito nesse ponto. O que a gente quer saber, pra mensuração de danos, é quando vai ser feita a perícia na Região 5”, disse.
“A importância da gente participar é muito grande. Se a gente não participa, a gente dá a possibilidade deles fazerem um acordo que não nos represente”, completou Liderjane Gomes, do povo indígena Kaxixó de Martinho Campos e integrante dos coletivos Sentinelas e Guerreiras.
Em frente ao TJMG, pessoas atingidas de todas as Regiões da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias, além do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) se manifestaram em favor da resolução coletiva das indenizações. Aproveitando o momento de espera por notícias da audiência, representantes do MAB organizaram um espaço de perguntas e respostas com advogadas das três Assessorias Técnicas Independentes (Guaicuy, Aedas e Nacab), para que as pessoas atingidas pudessem expor e solucionar dúvidas sobre o direito a indenização e outros temas, como o Programa de Transferência de Renda (PTR).
Representantes das Comissões das Regiões 4 e 5 também compartilharam suas esperanças quanto à resolução coletiva na audiência sobre indenizações da Vale. “Já se passaram 5 anos, chegou o momento de olhar para os atingidos. A Vale é que tem que ser cobrada e pagar pelo crime que cometeu, e não nós, que só estamos no prejuízo até agora”, diz Cleusimar Dias, da Comissão Baixo Paraopeba e do coletivo Guerreir@s.
Para Juliana Melgaço, integrante da Comissão Formosa e do coletivo Sentinelas, “a cada dia que passa está ficando mais cansativo e não temos resposta. Nossa luta também é para que as ATIs estejam presentes no território nos ajudando, essa assessoria é muito importante. Muitos guerreiros desistiram, mas também chegaram pessoas novas. Precisamos mais que nunca das ATIs ao nosso lado”.
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Imagem em destaque: Daniela Paoliello/Guaicuy
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