Na tarde de quinta-feira (27), representantes de pessoas atingidas de todas as Regiões da Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias estiveram em Belo Horizonte para uma reunião sobre o Programa de Transferência de Renda (PTR). Participaram do encontro representantes do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), além da Fundação Getúlio Vargas (FGV) — responsável pela gestão do PTR — e das três Assessorias Técnicas Independentes (ATIs).
Ao mesmo tempo em que a reunião ocorria, dezenas de pessoas atingidas realizaram uma manifestação em frente ao MPMG para lembrar que o PTR foi um direito conquistado através de muita mobilização.
Assista a reunião na íntegra:
Antes do início dos debates, foi realizado um minuto de silêncio em homenagem às 272 pessoas que morreram no dia do rompimento da barragem. Em seguida, os representantes das Instituições de Justiça (IJs) se apresentaram e fizeram considerações iniciais. Então, foi a vez de Marcela Borges, da FGV, tomar a palavra e apresentar as respostas da gestora do PTR para alguns dos questionamentos enviados previamente pelas pessoas atingidas.
Clique aqui para acessar a apresentação feita pela FGV
Uma das principais dúvidas das pessoas atingidas é sobre a previsão de fim do PTR. Segundo a FGV, a estimativa é que o programa vá até abril de 2026. No entanto, quanto mais pessoas novas forem aceitas no programa, mais cedo os pagamentos devem acabar. A FGV ressaltou que nessa semana foram incluídas cerca de 3 mil pessoas no PTR.
Muitas pessoas atingidas se manifestaram na reunião sugerindo a criação de uma mobilização para que o PTR seja mantido por mais tempo, o que demandaria mais recursos da Vale no programa. As IJs reconheceram que a manifestação é legítima, mas lembraram que o Acordo define o valor final de R$4,4 bilhões para o PTR.
As pessoas também criticaram o descompasso de tempo entre os programas de reparação previstos no Acordo, já que a previsão é que o PTR acabe em menos de dois anos, enquanto os projetos de demandas comunitárias e linhas de crédito e microcrédito (Anexo 1.1) sequer começaram a ser executados no território atingido.
Clique aqui para ler a prestação de contas da FGV sobre o PTR
Diversos representantes de Comissões das Regiões 4 e 5 puderam falar na reunião. Confira alguns trechos marcantes abaixo das pessoas que participaram presencialmente:
Gostaria muito do apreço das Instituições de Justiça pelas coisas que todos aqui falaram…Toda a vez a gente vem aqui com a mesma história. Eu estou cansado. Tô cansado de pedir pelo menino que recebe e o pai e a mãe seguem no recurso… As pessoas vêm, reclamam a mesma coisa e nada muda. Precisamos dar um basta nessa história. Eu não quero vir aqui mês que vem ou daqui a dois meses reclamar as mesmas coisas.
A comunidade enfrenta muitas dificuldades de comprovação de endereço devido à irregularidade fundiária e à falta de atendimento das concessionárias de serviços públicos. A comunidade aguarda uma visita técnica da FGV. Eu comprei lá em 2014, moro desde 2018, sou um atingido e nunca recebi nem um copo d’água. Os documentos que apresentei, todos foram negados. A gente espera e está na luta para que alguma coisa mude.
Devido à morosidade, nós da Região 5 estávamos aguardando mais respostas. Infelizmente isso não foi atendido e nós não fomos contemplados na Região 5, embora a gente reconheça que teve alguns avanços com aprovações…
Três minutos… O que são três minutos [para falar] para quem está há cinco anos esperando? No ano do rompimento, eu, Cacá, pescador, me considerava um atingido. Cinco anos após o rompimento, eu hoje, Cacá, me considero uma vítima. Uma vítima com sorte, nós todos aqui somos vítimas com sorte. Porque ainda estamos vivos e 272 pessoas não tiveram essa sorte.
Ninguém contrata gente doente, não. E nós não temos outra fonte de renda, outro meio de serviço lá. As terras não produzem nada mais, o peixe a gente não pode pescar. A gente não pediu para ser atingido, não. Você pode perguntar pra qualquer atingido lá. Ninguém recebia menos de 4 mil reais por mês vendendo seu pescado. Agora estamos chorando, choramingando por um salário, um salário mínimo. Pra gente ter um pouco de dignidade e comida na mesa.
Hoje estamos na era digital, com várias tecnologias, e parece que a FGV não utiliza elas. Hoje você pode pegar e, se o pai e a mãe estão recebendo, incluir as crianças junto no cadastro. Aí vocês vão lá e pedem o georreferenciamento da criança, sendo que a mãe e o pai já estão recebendo. Fora aqueles que um tá recebendo dentro da casa e o outro foi negado. Não faz sentido o jeito de vocês trabalharem. Com a tecnologia que temos hoje, e vocês não utilizam.
Quando a Represa estava normal, a gente tinha êxito, tinha dinheiro, não tinha doença. E hoje? Não temos nada. Não temos direitos. Hoje a gente vê que não temos direito a nada. Sabe qual direito estamos tendo de dinheiro da Vale? É o café que estamos tomando aqui hoje… Só isso… Tamo batendo há cinco anos em reunião, enviando carta…
Reparação. O que nós atingidos entendemos dessa palavra seria uma maneira de amenizar algo que todos nós fomos prejudicados. Ou seja, cadê meu rio, minha represa, que tantas vezes eu, meus filhos, meus pais, meus irmãos, meus amigos frequentamos? Sem risco de contaminação. Esse local sempre foi nosso local de lazer. Queremos nosso rio e nossa represa de volta.
Na porta do prédio, representantes de pessoas atingidas de toda a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias se reuniram para protestar pela ampliação do acesso ao programa e por critérios de participação que sejam pertinentes à realidade do território atingido. Isso, porque muitas pessoas em comunidades rurais não possuem os documentos pedidos pela FGV, gestora do PTR.
“Os critérios já são injustos e, mesmo assim, muita gente que teria direito não consegue receber por conta das burocracias. Como você vai pedir conta de água, ou conta de luz para uma pessoa que vive numa área sem saneamento básico e nem energia elétrica? Muita gente, por exemplo, utilizava água direto da Represa de Três Marias ou do Rio Paraopeba”, explica Jonas Veloso, assessor de reparação do Instituto Guaicuy.
O assessor destaca que muitas pessoas atingidas estão fora do PTR nas comunidades das áreas do Baixo Paraopeba, do entorno da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco. Por isso, um grupo de moradores dessas regiões, que são assessoradas pelo Instituto Guaicuy, se deslocou até Belo Horizonte para acompanhar o protesto. Um deles é José Saraiva, da Comissão Panorama, de Três Marias. “Tá com muito trabalho para reconhecer a gente, então nós estamos nessa luta aqui em Belo Horizonte. Parece que eles estão sorteando o PTR, recebe uma pessoa, outras não”, criticou.
Representantes das Comissões das Regiões 4 e 5 que estiveram na reunião aproveitaram a oportunidade para entregar cartas e ofícios às IJs e à FGV sobre o PTR. Confira abaixo:
Solicitação de Novo Estudo Técnico em Morrinhos
Ofício sobre inclusão dos pescadores do município de Paineiras
Pedido de revisão da Poligonal de Angueretá
Carta pedindo esclarecimentos sobre a situação de Novilha Brava
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