Instituto Guaicuy

Vale se manifesta mais uma vez contra a resolução coletiva das indenizações individuais

5 de junho, 2024, por Mathias Botelho

Mineradora diz que já indenizou quase todas as pessoas atingidas e que moradores da região da Represa de Três Marias não têm direito à indenização

A Vale se manifestou novamente contra a resolução coletiva das indenizações individuais das pessoas atingidas pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Por meio de petição protocolada na segunda-feira (3), a mineradora respondeu ao juiz Murilo Silvio de Abreu que, em 2 de maio, intimou a empresa e as Instituições de Justiça (IJs) a se manifestarem sobre a resolução das indenizações. As IJs se posicionaram em 16 de maio, entregando ao juiz uma listagem inicial de danos causados pelo rompimento da barragem.

Agora, cabe ao juiz Murilo Silvio de Abreu decidir, após ler ambas as manifestações, como deve seguir o processo que busca resolver as indenizações das pessoas atingidas. Importante lembrar que, simultaneamente, a Vale busca anular na segunda instância a decisão de Murilo que iniciou a resolução coletiva das indenizações individuais. Por duas vezes, o desembargador André Leite Praça rejeitou o pedido da mineradora para suspender temporariamente a resolução das indenizações, mas ainda não foi julgado o pedido da Vale para suspender definitivamente a decisão da primeira instância. 

Clique aqui para ler a manifestação da Vale na íntegra

Os argumentos da Vale

A mineradora, que causou 272 mortes e deixou um rastro de destruição por dezenas de cidades de Minas Gerais, repetiu muitos dos argumentos usados ao longo dos últimos anos para se posicionar contra a resolução coletiva das indenizações individuais. 

Em resumo, a Vale afirma que: 

  • o Termo de Compromisso firmado com a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) em 2019 já resolveu as indenizações de “quase (senão a total) integralidade das pessoas que sofreram danos diretos com o rompimento da barragem”
  • que a resolução coletiva proposta pelas IJs gera uma duplicidade de perícias e que é necessário encerrar as perícias do Comitê Técnico Científico da Universidade Federal de Minas Gerais (CTC-UFMG) que estão em andamento
  • que é impossível resolver de maneira coletiva os danos individuais.

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Ponto a ponto, o que diz a mineradora?

Conclusão da perícia é necessária

A Vale diz que o processo de resolução (liquidação) das indenizações não pode iniciar até que se encerrem as perícias em curso do CTC-UFMG. Lembra que o Acordo Judicial de Reparação, firmado entre a empresa e o Poder Público em fevereiro de 2021, definiu a manutenção de parte das perícias e considera que elas seriam suficientes para definir os danos individuais e as pessoas que os sofreram.

Diz que não teve acesso à íntegra das entrevistas realizadas e que sua assistente técnica, a Universidade Federal de Lavras (UFLA), elaborou vários questionamentos sobre as perícias que não foram respondidos nem pelo CTC-UFMG nem pela Justiça. Critica, também, a conclusão do CTC-UFMG de que os danos listados teriam necessariamente relação (nexo causal) com o rompimento da barragem.

Danos e pessoas atingidas já foram identificados

A Vale considera que, caso mantida a proposta de resolução coletiva das indenizações, não é necessário identificar quais os danos causados e quem os sofreu, pois isso já teria sido definido pela perícia do CTC-UFMG. Que uma nova perícia, como determinada pelo juiz, geraria uma duplicidade de estudos e de gastos para a mineradora. 

Resolução não pode ser coletiva

Novamente, a Vale reafirma ser contra a resolução coletiva das indenizações individuais. Para a mineradora, não é possível resolver a questão coletivamente, como proposto pelas IJs e aceito pelo juiz Murilo Silvio de Abreu. A Vale considera que cada pessoa atingida, individualmente, deve buscar seu direito à indenização. 

Vale diz que já indenizou quase todas as pessoas atingidas

Outra vez, a Vale diz que indenizou “quase (senão a total) integralidade das pessoas que sofreram danos diretos com o rompimento da barragem”. Segundo a mineradora, já foram assinados mais de 9 mil acordos individuais, no valor total de R$1,5 bilhão. Também, 368 pessoas foram indenizadas por meio de processos judiciais, no valor total de R$66,6 milhões. 

Os números apontados pela Vale chamam a atenção, já que as Assessorias Técnicas Independentes entendem que há muito mais pessoas atingidas pelo rompimento do que as menos de 10 mil que a mineradora indenizou. A quantidade de pessoas atingidas pela mineradora ao longo dos 26 municípios prejudicados, de acordo com os registros das Assessorias, é de pelo menos 158 mil pessoas. 

Em comparação, 132 mil pessoas de toda a Bacia do Paraopeba e Represa de Três Marias recebem o Programa de Transferência de Renda (PTR), segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ou seja, mesmo com critérios excludentes e com dificuldades de acesso, o PTR chega a quase 15 vezes mais pessoas que as indenizações negociadas individualmente com a Vale. 

Região 5

A Vale cita explicitamente que, para ela, devem ser considerados para fim de indenização apenas os 19 municípios já estudados pela Chamada 3 do CTC-UFMG. Assim, a mineradora exclui todos os municípios da Região 5 (entorno da Represa de Três Marias e Rio São Francisco) e também Caetanópolis, na Região 3. 

“As circunstâncias geográficas dos municípios que integram a Região 5, com efeito, diferem-os consideravelmente das localidades que compõem as Regiões 1 a 4, no tocante às consequências do rompimento da barragem”, afirma a Vale na manifestação. 

Crítica às IJS

A mineradora afirma em sua manifestação que a proposta das IJs está fazendo atrasar o processo de reparação. Considera que as IJs estão tentando assumir o papel de peritas no processo. 

Ataque aos danos listados pelas IJs

Quanto aos danos listados pelas IJs e apresentados em maio ao juiz, a Vale afirma que para eles serem considerados, a perícia do CTC-UFMG deveria ser impugnada, algo que as IJs não fizeram no momento adequado. Segundo a mineradora, na época, as IJs apenas criticaram o fato de que a Chamada 3 do CTC-UFMG não incluía os municípios da Região 5 (entorno da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco). Ou seja, que teriam concordado com a metodologia da perícia. 

A Vale pede que o juiz não considere os danos listados pelas IJs. Mas, caso o juiz os aceite, que exclua algumas das categorias:

  • Danos às relações de produção, trabalho e renda;
  • Desvalorização imobiliária;
  • Perda de animais domésticos e de estimação;
  • Direito à moradia;
  • Perdas humanas e desaparecimentos;
  • Ações e omissões das empresas responsáveis pelo rompimento, suas mandatárias e/ou terceirizadas;
  • Honra;
  • Conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético de povos e comunidades tradicionais.

Para a mineradora, se o CTC-UFMG não listou esses danos, não seriam as IJs com apoio das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que conseguiriam listá-los com propriedade. 

Termo de Compromisso

A Vale ainda afirma que as IJs querem rediscutir e indenizar novamente os danos definidos pelo TC de 2019. Que, na opinião da empresa, o Termo previu todos os danos causados. Que até os danos à saúde mental são considerados e que 928 pessoas foram indenizadas nessa categoria. 

A mineradora considera que, se por acaso houver novos danos não identificados, eles serão identificados pela perícia em curso do CTC-UFMG. 

Demais danos negados na Justiça

A Vale ressalta que, na grande maioria dos casos de pessoas atingidas que buscaram a indenização pela via judicial alegando sofrerem danos que não estão listados no Termo de Compromisso, os juízes negaram os pedidos. As negativas ocorreram ou pela falta da comprovação dos danos ou pelos danos se tratarem de danos coletivos (que teriam sido resolvidos pelo Acordo Judicial de Reparação). 

São três categorias de danos que aparecem bastante nesses casos, segundo a mineradora: (i) danos ambientais (lazer e paisagem – danos existenciais), (ii) danos pela contaminação de metais pesados, e (iii) desvalorização imobiliária. Os dois primeiros, de acordo com a Vale, são danos coletivos e portanto não são passíveis de indenização individual. 

No caso do último dano citado, da desvalorização imobiliária, os resultados da via judicial têm sido, segundo a Vale, “desfavoráveis aos autores das ações individuais, baseados em laudos periciais de engenharia atestando a ausência de queda no mercado imobiliário”. 

Pedidos de exclusão de pontos da Matriz de Danos das IJs

A Vale apresenta mais uma série de danos listados pelas IJs que acha que devem ser desconsiderados caso avance o processo de resolução coletiva das indenizações. 

PCTs

Sobre os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs), a Vale cita que os danos listados pelas IJs são de natureza coletiva e não individual, e por isso não devem ser considerados para a resolução das indenizações. 

Ações já feitas pela Vale

Por fim, a mineradora lembra que já causou muitos “impactos positivos” com suas ações de reparação, sejam as previstas pelo Acordo Judicial, sejam as mantidas pela Vale para além do que foi obrigada a pagar. 

Pedidos finais

A Vale pede a suspensão da decisão do juiz Murilo Silvio de Abreu até que o recurso da segunda instância seja julgado e até que as perícias do CTC-UFMG sejam terminadas. 

Ao mesmo tempo, caso o primeiro pedido seja negado e a resolução coletiva seja mantida, a mineradora solicita: 

  • que sejam analisados os seus pedidos de impugnação das perícias
  • que a proposta das IJs de incluir novos danos e municípios na resolução coletiva seja negada
  • que a fase de perícias para determinar quais os danos, quais os critérios de comprovação e quem são as pessoas atingidas seja considerada como já realizada. 

Resolução coletiva x resolução individual

De acordo com Ana Clara Amaral, advogada e especialista em reconhecimento do Instituto Guaicuy, na via individual, a pessoa atingida vai precisar assumir a produção de suas próprias provas, de forma independente. “Já no caso da resolução coletiva, a produção de provas será feita a nível de Bacia, por meio de uma perícia. Isso não deixa a pessoa sozinha numa disputa de laudos contra a Vale, o que seria um claro desequilíbrio de forças”, explica. Segundo a advogada, a resolução coletiva dá a possibilidade de uma maior igualdade e justiça no tratamento, e de evitar entendimentos mais restritivos ou aleatórios, vindos de diferentes juízes, geralmente com pouca apropriação do caso da reparação. 

Outro ponto forte da resolução coletiva é que ela não funciona de maneira excludente a outros procedimentos individuais e acordos. Não é necessário escolher entre um e outro. Todas as pessoas atingidas podem tentar um acordo com a Vale. A questão é que, apenas na resolução coletiva, a Vale seria obrigada a indenizar um número maior de pessoas. Então é a garantia de existência de múltiplos caminhos para as pessoas atingidas acessarem a justiça. E apesar das pessoas atingidas terem sempre resguardado o direito de tentar um acordo, na prática, o Programa de Acordos Extrajudiciais da Vale se encontra com as inscrições encerradas.

Imagens de Daniela Paoliello/Guaicuy

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