Instituto Guaicuy

Abandono e falta de informações: conheça as angústias dos moradores que assistem a mineração esvaziar o distrito de Antônio Pereira

16 de fevereiro, 2024, por Mariana Viana

Primeiro veio o medo de rompimento e os danos causados pelas obras de descomissionamento da Barragem Doutor, de propriedade da mineradora Vale. Depois a perda de vínculos comunitários com a remoção de vizinhos e amigos da Zona de Autossalvamento e de imóveis desocupados por meio de acordos extrajudiciais. Agora, os moradores que ainda residem no distrito de Antônio Pereira são vítimas do abandono desses imóveis e de uma série de problemas decorrentes do esvaziamento de ruas inteiras.

Dentre as principais denúncias feitas pela população está a insegurança. Sirlene Rodrigues, moradora da Rua Projetada 15, conta que os saqueamentos e as depredações começam no dia seguinte à desocupação. “As pessoas entram nas casas abandonadas e levam as telhas, janelas, deixam tudo quebrado. Fico com pena de ver uma casa que era tão bonita ser destruída assim. Além disso, tem a questão da escuridão que fica na rua. Eu não saio muito de casa à noite, mas quem precisa passar aqui quando anoitece, tem medo”, lamenta.

Foto: Gabriel Nogueira/ Instituto Guaicuy

A casa bonita citada por Sirlene está localizada na rua perpendicular à Rua Projetada 15, na Rua Vista Alegre, onde dois imóveis foram esvaziados recentemente. O local possui outras áreas sob a responsabilidade da mineradora Vale desde o ano de 2021. Ou seja, há pelo menos dois anos, Sirlene e seus vizinhos sofrem com o processo de esvaziamento, sensação de abandono, aumento da insegurança e locais de proliferação de doenças no distrito.

Também na Rua Vista Alegre, Sirlene aponta para onde morava uma amiga, chamada Luciana. Ela recorda das conversas que tinha com a vizinha-amiga e o quanto é difícil o rompimento dos laços comunitários. “Hoje em dia, a gente conversa pelo WhatsApp, mas não é a mesma coisa”, conta. Para ela, o que restaram foram apenas as lembranças da convivência diária com os vizinhos e um cenário de destruição, com casas constantemente saqueadas.

Foto: Gabriel Nogueira/ Instituto Guaicuy

População cobra providências da Vale

Ao olhar para o horizonte e todas as ruas que circundam sua casa, Sirlene vê dezenas de casas abandonadas; no entanto, ao ser questionada se ela tem vontade de sair do Pereira, como é popularmente conhecido o distrito, a resposta dela é firme e direta: “Não!”. A reivindicação dela e das pessoas que moram na região é para que a mineradora Vale cuide dos imóveis. “Queremos que a Vale aumente a vigilância, e que as casas sejam limpas e conservadas para evitar que virem pontos de usuários de drogas, depredação e doenças como a dengue.”

Assim como acontece na Rua Vista Alegre, a família de dona Dirce Morais e do senhor Tarcísio Morais, ambos com 58 anos, convive com os problemas causados pelo abandono de casas na região do Beco Vista Alegre. Há dois anos e meio, um imóvel foi desocupado ao lado da casa do casal e, desde que os moradores foram embora, é rara a presença de segurança patrimonial no local. É que o afirma um dos filhos de dona Dirce. Além disso, o imóvel está cheio de mato, com infiltrações e sujeira. Este ano, o distrito de Antônio Pereira sofre com o surto de dengue, e quase toda a família teve a doença. Para os filhos Diego e Rodrigo, os focos do mosquito Aedes aegypti podem estar na casa abandonada.

Moradores foram removidos da casa no Beco Vista Alegre há mais de dois anos Foto: Gabriel Nogueira/ Instituto Guaicuy

Antônio Pereira, possui a maioria dos testes positivos para dengue em Ouro Preto/MG. Na semana antes do Carnaval, o distrito chegou a registrar 85% dos casos da doença. Do total de 209 testes positivos, 178 foram em Antônio Pereira.

Falta de informações também é um problema

Além de todas as angústias relatadas até agora, mais um problema em comum entre as famílias de Sirlene e dona Dirce é a falta de informações. Segundo as pessoas ouvidas nessa reportagem, elas nunca foram informadas sobre quando e por que haveriam remoções. “Tudo que a gente sabe, vem da boca de outros moradores, e são informações incompletas. A gente não tem como ter certeza se estamos em perigo ou não. Se essa é zona de risco ou se as pessoas apenas resolveram fazer acordo e ir embora”, acrescenta Sirlene.

Diferente do posicionamento de Sirlene sobre querer continuar morando na Rua Projetada 15, dona Dirce deseja ser removida com sua família do Beco Vista Alegre, principalmente pelo medo das obras do vertedouro da Barragem Doutor, que fica muito próximo a sua residência, podendo ser avistado da janela. “Com a chegada dessa mineradora, nós perdemos tudo: a paisagem que a gente tinha da natureza, das cachoeiras e tranquilidade. Também não podemos mais usar o rio…Agora, só resta o medo”, conta o senhor Tarcísio.

Paisagem modificada pela mineração ao lado casa do senhor Tarcísio e sua família Foto: Gabriel Nogueira/ Instituto Guaicuy

Ações do Guaicuy em busca de respostas para a comunidade

O Instituto Guaicuy, organização não governamental escolhida pela comunidade de Antônio Pereira para atuar como sua Assessoria Técnica Independente (ATI) em razão dos danos causados pelas obras de descomissionamento da Barragem Doutor, tem recebido diversas denúncias da população do distrito relacionadas ao número de focos do mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya. 

Diante disso, no dia 31/1, a ATI enviou um ofício para a Vale, à Secretária de Saúde de Ouro Preto e ao Ministério Público de Minas Gerais, solicitando informações sobre a limpeza dos imóveis da Zona de Autossalvamento (ZAS); a respeito das próximas ações da prefeitura para o enfrentamento ao mosquito no distrito e; número de casos confirmados de doenças transmitidas pelo Aedes aegypti em Antônio Pereira.  

Em resposta ao Guaicuy, Rafael Ribeiro, chefe da Zoonoses de Ouro Preto, informou que foi realizado um um acordo com a mineradora Vale, que se comprometeu a fazer a limpeza dos imóveis no prazo de 15 dias. O prazo venceu no dia 15/02. Antes disso, no dia 09/02 trabalhadores foram vistos retirando entulho da Zona de Autossalvamento, onde estão grande parte dos imóveis desocupados de Antônio Pereiro. A Zona de Autossalmento é uma região por onde poderá passar o rejeito de minério em caso de rompimento de barragens, não havendo, portanto, tempo suficiente para uma adequada intervenção dos serviços e agentes de proteção civil. 

Resposta da Prefeitura de Ouro Preto: nos dias 08 e 09/02, das 8h às 12h, a equipe de vigilância em saúde de Ouro Preto realizou a  aplicação do método de Ultra Baixo Volume (UBV – como o fumacê), para extermínio dos mosquitos adultos. 

Sobre a insegurança e depredação dos imóveis na Rua Vista Alegre, o Guaicuy enviou um e-mail para a Polícia Militar e ao Ministério Público de MG informando sobre as denúncias feitas pelos moradores e solicitando providências quanto à medidas de segurança e vigilância a fim de coibir a prática de novos furtos e depredação, assim como coibir o uso indevido dos imóveis para fins ilícitos como uso e tráfico de drogas. Através do e-mail, o Guaicuy também pediu o reforço ostensivo de ronda policial nas proximidades da rua, especialmente no período das noites relacionadas ao Carnaval, entre os dias 10 a 14 de fevereiro de 2024.

Em resposta, a PMMG destacou que as casas são de responsabilidade da Vale e há vigilância patrimonial específica para isso. A PM informou ainda que o patrulhamento é realizado em todo distrito, mas não há orientações para que a vigilância ocorra em propriedade particular sob responsabilidade da empresa Vale. “Essa solicitação deve ser dirigida à vigilância patrimonial responsável direta pelas casas, inclusive enviamos para eles todos os registros confeccionados”, orientou a Polícia Militar. Conforme sugestão do órgão de segurança, o Guaicuy enviará um ofício para a Vale com as reclamações feitas pela comunidade. 

Saiba mais:

https://guaicuy.org.br/dengue-em-antonio-pereira/

https://guaicuy.org.br/dengue-em-antonio-pereira-2/

 

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