“Sem o rio Pará, um pedaço do Kaxixó vai embora”
19 de abril de 2021
Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) são aqueles que, entre outros pontos, se reconhecem a partir de formas próprias de organização social e que possuem um forte vínculo com o território para exercer os seus modos de vida. “Por essa relação com o território, quando a natureza é afetada de maneira violenta essas pessoas têm seus modos de vida particularmente atingidos. No caso dos Povos e Comunidades Tradicionais atingidos pelo rompimento, vemos isso principalmente ao levar em conta como o acesso à água foi prejudicado. Nós sabemos que todas as comunidades atingidas têm relação com a água, mas para os PCTs isso está intrínseco à sua própria existência”, destaca a assessora do Instituto Guaicuy, Paula Oliveira.
Por conta da herança de violências sistemáticas, como o extermínio e invasões das terras dos povos originários e das comunidades tradicionais, existem regramentos na própria Constituição Federal, além de tratados internacionais que garantem a compensação de direitos. Um deles é a Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé. É um documento feito pela própria comunidade, que traz informações sobre como ela se organiza, como é sua história, cultura e costumes. Nele, a comunidade mostra de que forma quer ser consultada em casos de projetos que afetem seus territórios e modos de vida.
“O Poder Público tem obrigação de garantir o acesso a direitos. Nesse contexto, o Acordo de Reparação, coloca uma cláusula [11.11] que garante e reforça a necessidade de levar em consideração as especificidades e singularidades dos PCTs”, explica Paula. Por isso, eles foram tratados de forma específica em alguns pontos do Acordo de Reparação Judicial.
No Anexo 1.3 (que trata do fortalecimento de serviços e políticas públicas), por exemplo, além da Consulta Popular Ampla, foi realizada uma Consulta de priorização própria para PCTs e o Comitê de Compromitentes se comprometeu a executar ao menos um projeto eleito pelos PCTs em cada um dos municípios onde eles são reconhecidos como atingidos. As medidas foram tomadas em resposta a reivindicações das pessoas atingidas, com apoio das Assessorias Técnicas Independentes.
As especificidades dos PCTs também foram consideradas no Programa de Transferência de Renda. Para isso, foi elaborado um processo de cadastramento específico, seguindo as orientações acordadas em cada localidade, no caso das comunidades que cumprissem os critérios gerais para o recebimento.
Já no contexto do Anexo 1.1, o Termo de Referência prevê a garantia de participação a partir de reuniões específicas com os PCTs durante a elaboração do Plano de Trabalho para pensar formas de que as particularidades de cada povo e comunidade tradicional sejam respeitadas e entendidas nos projetos de linhas de crédito e microcrédito.
Além disso, os direitos dos PCTs não se restringem ao Acordo e todo contato feito por atores da reparação, como a perícia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ou por funcionários da Vale e terceirizadas, devem observar os protocolos.
“A mera existência do Protocolo de Consulta é um passo importante, mas não significa que ele será respeitado por todos os atores da reparação, sendo fundamental o apoio de toda a sociedade para fortalecer esses direitos”, analisa a advogada do Instituto Guaicuy e especialista em reconhecimento, Ana Clara Amaral.
Os PCTs estão presentes em todo o território atingido pelo desastre-crime. Nas comunidades do Baixo Paraopeba e da região do entorno da Represa de Três Marias, que são assessoradas pelo Guaicuy, foram reconhecidos formalmente dois grupos de PCTs: o povo indígena Kaxixó e a comunidade remanescente quilombola do Saco Barreiro.
“Isso não quer dizer que não existam outros PCTs no território. O Guaicuy está iniciando o diálogo para entender o acesso de novos PCTs no processo de reparação”, explica Paula.
Atualmente, grupos como a Comunidade Cigana Calon de Beira Rio, em São Gonçalo do Abaeté; os Ribeirinhos e Barranqueiros da Calha do São Francisco, em Três Marias; e o povo de terreiro, em Morada Nova de Minas, estão em processo de oficialização para o reconhecimento no contexto da reparação.
Povos e Comunidades Tradicionais são “grupos culturalmente diferenciados que se reconhecem como tais e possuem formas próprias de organização social, ocupando territórios e utilizando recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica e aplicando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Decreto Federal nº 6.040/2007).
19 de abril de 2021
9 de agosto de 2022
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