Paraopeba
Um Dossiê produzido pelo Instituto Guaicuy analisou as ações individuais das pessoas do Baixo Paraopeba e da região da Represa de Três Marias que foram atingidas pelo desastre-crime da Vale e buscam indenização na justiça. Das 318 ações estudadas, apenas 12 tiveram decisão favorável na primeira instância (4%).
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O estudo do Guaicuy teve como foco as ações movidas por pessoas das Regiões 4 (Curvelo e Pompéu) e 5 (Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias), que são assessoradas pelo Instituto no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho.
Cinco anos e meio depois do desastre-crime, 163 ações continuam sem julgamento e 140 delas tiveram algum tipo de decisão negativa para as pessoas atingidas na primeira instância. Veja abaixo alguns detalhes do estudo.
Foram estudadas 80 ações do município de Curvelo e 54 de Pompéu. Muitas delas foram propostas de maneira massificada por grupos de advogados. “Esse modelo de atuação, em linhas gerais, adota uma redação padronizada e uma condução uniforme para um grande número de pessoas ou grupos”, afirma o estudo. “No entanto, tal abordagem frequentemente desconsidera particularidades que seriam essenciais para um ressarcimento monetário mais justo e adequado”, completa.
Os danos mais presentes nas ações são de prejuízos à qualidade de vida e à saúde (79,1%), seguidos da desvalorização de imóveis (77,6%) e de danos relativos à água (50,7%), tais como interrupção, perda ou restrição de abastecimento ou captação de água. Os pedidos são, em maioria, de condenação da Vale por danos morais ou materiais (91 ações).
Quanto à comprovação dos danos sofridos, há grande dificuldade por parte das pessoas atingidas. “Para muitas famílias atingidas, principalmente aquelas afastadas dos centros urbanos, a informalidade da propriedade é uma realidade, assim como a ausência de registros em serviços públicos de energia elétrica ou saneamento básico. Esses fatores acabam por corroborar a fragilidade na comprovação dos danos sofridos em situações extremas, como o rompimento de uma barragem e, consequentemente, as famílias acabam por carregar o ônus da ausência de serviços básicos, assim como o ônus da degradação ambiental e sofrimentos deles decorrentes”, afirma o Dossiê do Guaicuy.
88 das ações analisadas ainda não tiveram decisão final. Em 41 delas, a decisão foi desfavorável às pessoas atingidas. E apenas 2 ações tiveram decisões favoráveis. Na maioria dos casos de decisões desfavoráveis, isso se deu por falta de documentação. Muitas das ações seguiram para a segunda instância.
Já nos municípios da região da Represa de Três Marias, foram analisadas 184 ações, a maioria em Morada Nova de Minas. Os danos mais citados foram aqueles correspondentes aos recursos e exercício das atividades pesqueiras (90,2%), seguidos das perdas de fontes de renda e trabalho (89,1%) e dos prejuízos à qualidade de vida e à saúde (72,3%).
“A predominância dos danos relativos à atividade da pesca se dá pela presença massiva de pescadores na região, muitos dos quais estão vinculados a colônias, com destaque para a colônia de pescadores de Morada Nova de Minas e Abaeté”, comenta o Dossiê. Na Região 5, a maior parte dos pedidos também é de condenação da Vale por danos morais e materiais.
Também há dificuldade de comprovação dos danos, mas percebe-se que muitas das pessoas atingidas apresentaram documentos de registro como pescadores, já que os danos estão diretamente relacionados à atividade pesqueira. Ainda chama atenção a quantidade de decisões que indeferem a petição inicial, ou seja, não são autorizados a continuar logo de início: um total de uma a cada duas ações propostas.
Das 184 ações analisadas, 75 ainda não têm decisão. Em 99 casos, a sentença foi desfavorável às pessoas atingidas e em 10 ações a decisão foi favorável às pessoas atingidas. A falta de documentação foi a principal razão para o indeferimento das ações.
No Dossiê, o Guaicuy também identificou quais danos presentes nas ações enquadram-se na Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB) e na Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), que são as duas leis específicas sobre o tema em vigência no estado de Minas Gerais.
Ana Paula Martins Hupp, uma das autoras do Dossiê, considera que o documento traz um debate importante sobre o acesso à justiça das pessoas atingidas que buscam a reparação pela via individual. “Não se pode ignorar que estamos falando de pessoas que estão em situação de vulnerabilidades, muitas delas perderam suas fontes de renda, são comunidades que estão distantes dos centros urbanos, já carentes de serviços públicos, o que reflete na capacidade de comprovação de danos complexos, como os decorrentes do rompimento e isso deve ser levado em consideração quando estamos falando em garantir que essas pessoas tenham de fato seus direitos assegurados. Não se pode esperar a mesma capacidade postulatória, se de uma lado temos pessoas marcadas por essas vulnerabilidades e de outro uma empresa bilionária como a Vale. Por isso a ação coletiva tem que ser vista como uma possibilidade diante desses desafios”, comenta.
É de fato de extrema relevância para nós as pessoas atingidas que ao pleitearmos participação informada nas instâncias de decisão termos acesso a este material.Saudaçoes desde Juatuba (R2).