Paraopeba
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) novamente se posicionou a favor da resolução coletiva das indenizações individuais das pessoas atingidas pelo desastre-crime da Vale. Dessa vez, o MPMG, em 22 de março, respondeu à manifestação da mineradora que, em fevereiro, procurou a segunda instância para reverter a decisão de primeira instância que determinou a resolução coletiva das indenizações individuais.
Leia aqui a manifestação do MPMG
Segundo o MPMG, as razões apresentadas pela Vale não procedem e segue sendo necessário resolver logo as indenizações das pessoas atingidas, avançando para a realização de uma perícia que possa identificar e definir valores para os danos, definir as pessoas atingidas que devem receber indenização e definir as formas de comprovação.
O Acordo Judicial de Reparação, firmado entre Vale e Poder Público em 2021, não resolveu os danos individuais. Por isso, é fundamental a realização de novas perícias, além das que foram mantidas pelo Acordo, para solucionar a questão. A posição contradiz a mineradora, que considera que as perícias em andamento e os acordos extrajudiciais dariam conta da identificação dos danos e de responder a todas as demandas por indenização.
O MPMG sinaliza que o Termo de Compromisso firmado entre a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG) e a mineradora causadora do rompimento é um passo importante, mas insuficiente para muitas pessoas atingidas acessarem seu direito à indenização individual. Lembra, por exemplo, que o público atendido pelo Termo (que baseia o programa de acordos extrajudiciais) é muito inferior ao número de pessoas atingidas em toda a Bacia. Considera que o Termo não abrange nem todos os danos, nem todas as pessoas atingidas.
Na manifestação, o MPMG afirma que o rompimento da barragem é o “maior desastre humano-ambiental de todos os tempos no Brasil”. E se demonstra preocupado com a possibilidade de que a Vale, a causadora dos danos, seja a responsável por identificar os danos, identificar as vítimas e definir os valores das indenizações. Entende que caso a proposta da mineradora seja aceita pela Justiça, na prática ela mesma definiria quem seria indenizado.
Para o Ministério Público, o caminho individual para buscar as indenizações individuais não é suficiente para reparar toda a população atingida. Por isso, considera ser necessário avançar para a resolução coletiva. Contradizendo a Vale, o MPMG afirma que a resolução coletiva é a mais eficiente para o sistema de justiça.
“O tratamento coletivo dos conflitos decorre de uma evolução do pensamento jurídico mundial no final do século XX e começo do século XXI, tal como é a consagração das liberdades individuais no século XIX e dos direitos humanos no século XX. São avanços civilizatórios que não admitem retrocesso”, afirma.
“Não há razão em se preferir centenas de perícias com a possibilidade de resultados e decisões judiciais diversas em prejuízo a uma só perícia que estabelecerá os parâmetros indenizatórios uniformes para toda a área afetada”, completa o MPMG, citando ainda o estudo do NACAB que mostra as dificuldades das pessoas atingidas que buscam o caminho individual.
O MPMG ressalta que a população de toda a Bacia do Rio Paraopeba e Represa de Três Marias sofreu danos com o rompimento, não apenas a população de Brumadinho e cidades mais próximas. A manifestação cita explicitamente a Região 5, exemplificando que em Morada Nova de Minas houve prejuízos severos à cadeia pesqueira e à aquicultura.
Um dos principais argumentos da Vale contra a decisão de primeira instância que determinou o início da resolução coletiva das indenizações é que ela geraria uma duplicidade de perícias com o mesmo objetivo, feitas pela mesma perita (a Universidade Federal de Minas Gerais).
Para o MPMG, as perícias realizadas até agora são insuficientes para resolver a questão dos danos individuais. E as novas perícias, indicadas pela decisão de primeira instância, não pretendem refazer estudos e sim conduzir novos.
Sobre o subprojeto “Caracterização e avaliação da população atingida”, da Chamada nº 03 do Comitê Técnico-Científico (CTC) da UFMG, o MPMG o cita como exemplo para mostrar a insuficiência das atuais perícias. Recentemente as Comissões de Pessoas Atingidas da Região 5 enviaram um ofício às IJs reivindicando a inclusão da Represa de Três Marias e do Rio São Francisco nos estudos. As IJs, em resposta, concordaram com a reivindicação.
O MPMG lembra que, na Chamada 03, não se prevê identificar valor, preço e mensuração dos danos, nem quem são as pessoas atingidas, nem as formas de comprovação. Tal fato contradiz o argumento da Vale de que as atuais perícias são suficientes. Além disso, o MPMG cita que na Chamada 03 não estão incluídos os municípios da Região 5.
Por isso, o Ministério Público defende que a Chamada 03 foi importante. Fundamenta de forma indiscutível a necessidade de se aprofundarem os estudos periciais, como definido na primeira instância. E ressalta que parte das perícias já realizadas serão aproveitadas, evitando assim que a Vale arque com custos a mais do que o necessário.
A manifestação do Ministério Público lembra que existem leis estadual e federal sobre o direito das pessoas atingidas por barragens e que elas devem ser respeitadas e levadas em conta nessa discussão. São elas, a Lei Estadual 23796/2021, da Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB), e a Lei Federal 14755/2023, da Política Nacional de Populações Atingidas por Barragens (PNAB).
O MPMG discorda da Vale e mantém seu entendimento de que a inversão do ônus da prova é necessária. Ou seja, defende que seja a mineradora a responsável por provar que não causou os danos quando eles sejam apontados, e não o contrário, quando caberia às pessoas atingidas e às IJs provar que eles foram causados. A inversão do ônus da prova é especialmente adequada nos casos de processos coletivos e tutela de grupos “hipossuficientes”, ou seja, grupos de pessoas com menor capacidade de produção de provas e acesso à justiça. O Ministério Público está representando este grupo no processo.
O Ministério Público reforça seu entendimento de que pode, ao contrário do afirmado pela Vale, promover a resolução coletiva dos danos e cita as leis e decisões judiciais que baseiam sua posição.
A decisão de primeira instância determinou a criação de uma plataforma eletrônica para a última fase da liquidação, na qual caberá a cada pessoa atingida acessar o sistema, fornecer os dados e documentos necessários e pleitear o pagamento da indenização conforme a Matriz de Danos. Para o MPMG, é necessário construir coletivamente e de maneira participativa esse sistema que pode ou não ser a plataforma eletrônica. O órgão afirma que não se opõe a outra forma de processamento da liquidação coletiva, desde que com participação, com o devido processo legal coletivo e com a apresentação do contraditório.
O Ministério Público solicitou que o recurso da Vale seja considerado improcedente (que seja negado), para que a resolução coletiva possa prosseguir normalmente na primeira instância. Esse processo começaria com uma reunião com todas as partes envolvidas para se discutir a metodologia da liquidação. Nesta etapa, também deverá ser assegurado o protagonismo das pessoas atingidas.
A decisão que o juiz Murilo Silvio de Abreu tinha tomado em março de 2023, a favor da resolução coletiva das indenizações, foi contestada pela Vale. Após o recurso da mineradora, em 6 de setembro, o juiz voltou atrás e suspendeu sua própria decisão por considerar que a empresa ré não tinha sido ouvida sobre a proposta inicialmente apresentada pelas Instituições de Justiça (IJs).
Após recurso da Vale, a Defensoria Pública mudou sua posição e se manifestou de forma contrária na segunda instância. Em seguida, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) se manifestou pela defesa da solução coletiva e foi acompanhado pela Procuradoria Geral de Justiça (PGJ).
Foi apenas em dezembro de 2023 que o juiz Murilo Silvio de Abreu voltou a publicar uma decisão sobre o tema, reforçando seu entendimento de que a resolução das indenizações individuais deve se dar de maneira coletiva. A Vale, então, se manifestou novamente contra a resolução coletiva e pediu a suspensão dos efeitos da decisão. O desembargador André Leite Praça, da segunda instância, negou o pedido de efeito suspensivo feito pela mineradora.
Desde a decisão tomada pelo desembargador André Leite Praça em 16 de fevereiro, que negou o pedido da Vale por efeito suspensivo da sentença de primeira instância, foi aberto o prazo para que as IJs se manifestem sobre o mérito da questão (o tema do julgamento) e reforcem os motivos pelos quais entendem que a decisão de primeira instância deve ser mantida. O prazo para manifestação é de 15 dias úteis, que pode ser em dobro (30 dias), no caso das Instituições de Justiça. Foi dentro desse prazo que se deu a manifestação do MPMG. Resta, ainda, esperar pela manifestação das demais IJs e pela decisão do julgamento.
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