Instituto Guaicuy

“Passam por cima da gente como se fosse um trator. Como que cinco pessoas vão falar em nome de 300 mil?”

11 de novembro, 2020, por Comunicação Guaicuy

Live com Instituições de Justiça e governo de Minas Gerais apresentou alguns pontos do acordo que vem sendo negociado com a Vale e foi marcada por reivindicações de transparência e participação popular

A fala estampada no título desta matéria é de Fernanda Soares Pinto Louzada, que vive no Shopping da Minhoca, no município de Caetanópolis e é atingida pelo crime da Vale em Brumadinho. Mas o sentimento não é só dela. A revolta por não ter, até hoje, o direito de uma participação efetiva no processo de negociação do acordo entre Vale e Governo de Minas Gerais é compartilhada entre moradores desde o Córrego do Feijão – onde a barragem rompeu e provocou 372 mortes – até os municípios do entorno de Três Marias – onde a lama levou desemprego, afastou turistas e causou diversas doenças, inclusive psicossociais. 

Fernanda Louzada, moradora do Shopping da Minhoca

Como Fernanda, outras 16 pessoas  atingidas puderam falar durante o evento online que aconteceu nesta terça-feira (10/11) com a participação de representantes do Ministério Público de Minas Gerais, do Ministério Público Federal, do Governo de Minas Gerais, das Assessorias Técnicas Independentes e do Movimento dos Atingidos por Barragens  (MAB). 

De Felixlândia, a mais de 300 quilômetros de onde aconteceu o rompimento, a professora aposentada Adriana Chagas falou sobre como o colapso da barragem mudou a vida dos moradores do entorno do lago de Três Marias. Ela, que investiu todas as suas economias de vida em um imóvel de aluguel de temporada na beira do lago, destacou que não há tranquilidade nem ao menos para beber a água dos poços artesianos e trouxe a reflexão: “Nós vemos, em todos os relatos, das pessoas da Área 1 até a Área 5, relatos de mortes. Mortes das pessoas queridas, morte do emprego, morte do rio, morte dos sonhos”.

As pessoas atingidas que tiveram direitos violados pelo desastre da Vale exigiram protagonismo e participação efetiva e numerosa no processo judicial. Também questionaram os mecanismos de participação nas negociações do acordo apresentado. “Até quando será permitido que a Vale continue nos amordaçando e nos colocando de joelhos diante dela?”, desabafou a pescadora artesanal Eliana Marques, que vive em Cachoeira do Choro, distrito de Curvelo. Ela denuncia a presença constante da mineradora no território e ainda clama para que a ré seja afastada do convívio das pessoas atingidas. 

Participação efetiva

“Recebemos a notícia da continuidade do acordo e ficamos atônitos. Informações vagas, atrasadas e sem compartilhamento de documentos e informações técnicas que exigem um esforço de entendimento da comunidade, o que mostra que não há construção de um acordo sem a efetiva participação dos atingidos e atingidas. Qual o nossa posição nesse processo se não somos parte dele?”, reivindicou Fernanda Perdigão, moradora de Piedade do Paraopeba, que ainda destacou o direito das pessoas atingidas à participação informada e também que as mortes não cessaram no rompimento. “Temos impactos, auto extermínios e outros inúmeros comprometimentos à saúde aumentando significativamente com o passar do tempo“.

Outra questão que apareceu bastante na fala pessoas atingidas é a ressalva de que esse acordo desconsidera a construção coletiva que vem sendo feita há meses pelas comunidades e pelas Assessorias Técnicas Independentes, e ainda desconsidera a necessidade das perícias e do mapeamento dos danos que vem sendo realizado. O MPF reforçou esse aspecto do acordo, que, segundo fala do procurador, Helder Magno da Silva, está sendo feito sem o conhecimento da dimensão completa dos prejuízos provocados pelo desastre.

“Somos deixados por último, quando nós, as grande vítimas, é que deveríamos protagonizar a construção desses projetos. Nós queremos que haja garantia das informações, mas nós também queremos ter participação legítima e efetiva. Nós temos a grande conquista que foi a vinda as ATIS e nós precisamos dar respaldo para esse trabalho,  esse grande investimento que já foi feito, tendo em vista principalmente as condições indignas das violações de direitos que ocorrem desde o crime e continuam a acontecer diariamente”, ressaltou Joelizia Feitosa, moradora de Satélite, no município de Juatuba.

Embora o evento de ontem tenha sido destinado a discutir o acordo que vem sido negociado desde março deste ano, a falta de participação popular no processo coletivo também foi uma reclamação das pessoas atingidas. Elas cobraram o  direito à voz nas audiências do processo, que, por causa da pandemia, estão ocorrendo de forma virtual, com participação restrita de pessoas atingidas, conforme determinação do juiz do caso, Elton Pupo Nogueira, da 2ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte.

“Até quando os atingidos vamos ter que ficar calados e não vão poder falar nada? Porque se os atingidos tivessem participado nas audiências, talvez o juiz ia ter consciência do que está acontecendo”, disse Eunice Godinho, moradora de Cachoeira do Choro. 

Programa de direito à renda

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) apresentou a proposta do Programa Social de Direito à Renda para a bacia do Paraopeba. “A ideia é que atingidos possam ser atendidos por um programa social de renda, a partir do valor dos danos morais coletivos: Perdas imateriais, lazer, cultura, sonhos, saúde”, explicou José Geraldo Martins, representante da organização.

José Geraldo também explicou como seriam definidas as pessoas que teriam direito de participar do programa: “Os critérios seriam os que já estão sendo construídos pelas ATIs nos cinco territórios com ampla participação popular. Não somente o critério emergencial, de 1 km da margem do Rio. Incluindo atingidos até Três Marias que tiveram perdas em atividades econômicas, turismo, lazer. A reparação pelo dano moral causado a essas pessoas também é devida pela Vale”.

Ele ainda destacou que, qualquer que seja o projeto de renda ou Pagamento Emergencial que seja instaurado, não poderia ter a gestão da Vale: “Nós precisamos lembrar que a Vale, historicamente, não cumpre os acordos, como por exemplo o acordo de fornecer água e o pagamento emergencial, que a Vale fez o que quis. Nenhum programa, nenhum acordo, funcionará se ficar sob gerência da Vale. Eles têm outros objetivos, diferentes da Justiça e dos atingidos. A vale utilizou auxílio emergencial como poder e pressão no território”.

Clique para acessar o vídeo da transmissão, na íntegra.

Saiba mais:

Estado e Instituições de Justiça falam sobre acordo em encontro virtual com pessoas atingidas, mas termos seguem em sigilo

Em live, pessoas atingidas exigem protagonismo em negociações e acesso a termos de acordo

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Nota das ATIs sobre possível acordo entre Governo de Minas, Vale e Instituições de Justiça.

Emergencial é prorrogado e negociações sobre novo suporte econômico continuam.

Pessoas atingidas cobram maior participação nas audiências.

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