No dia 17 de outubro ), aconteceu uma reunião entre pescadores atingidos pelo desastre-crime da Vale em Brumadinho e representantes das Instituições de Justiça (IJs) que acompanham o processo de reparação dos danos causados pela mineradora. O encontro foi na sede da Coordenadoria de Inclusão e Mobilização Sociais (Cimos) do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em Belo Horizonte. Ele ocorreu após um pedido dos próprios profissionais da pesca, por meio da Comissão dos Atingidos de Paineiras, Poções e Atoleiro (CAPPA), tendo como objetivo principal expor as dificuldades de acesso por parte deles ao Programa de Transferência de Renda (PTR).
Estavam presentes na reunião a promotora Shirley Machado de Oliveira, coordenadora regional da Cimos, Bráulio Santos Rabelo de Araújo e Antônio Lopes de Carvalho Filho (de forma virtual), da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG), Jonas Vaz, antropólogo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e outros integrantes da equipe do órgão. Como representantes dos profissionais da pesca atingidos, compareceram Geralda Maria da Silva (Paineiras), Valdir Alves (Paineiras), Ediléia Aparecida (Abaeté), Silvana da Costa (Paraíso), Luiz Carlos de Araújo (Abaeté) e Anilson Carlos da Silva (Paraíso). O grupo de profissionais atua na Região da Represa de Três Marias, onde a pesca não é proibida, ao contrário do Rio Paraopeba.
O PTR é o valor pago mensalmente às pessoas prejudicadas pelo rompimento da barragem. Têm direito a este dinheiro pessoas atingidas de toda a bacia do Paraopeba e da Represa de Três Marias que estejam dentro dos critérios definidos pelas Instituições de Justiça (IJs). Durante a reunião, pescadores da região da Represa de Três Marias, compartilharam os obstáculos vivenciados pela categoria, como a falta de documentação para comprovar os vínculos de moradia com o território. Embora esse grupo se enquadre nos critérios territoriais estabelecidos, eles enfrentam dificuldades para comprovar sua moradia ou local de trabalho na referida área.
Silvana da Costa, moradora da comunidade de Paraíso, foi uma das profissionais que dividiu com a promotora e com os defensores um pouco sobre o dia a dia de quem vive da pesca. Sua comunidade sofreu diretamente os impactos do desastre-crime causado pela Vale. “Em Paraíso a gente não é dono da terra. Moramos lá há 15 anos. Temos muita dificuldade para acessar o PTR. Fica difícil, porque não tem como construir uma casa se a terra não é da gente. Falam que eu não posso ter duas moradias, mas como vamos fazer? Preciso de um lugar para colocar meus peixes, e por isso preciso de uma casa na cidade. Queria que vocês olhassem pra gente, dessem pra gente oportunidade da gente ter nossos direitos”, falou.
Valdir aproveitou a oportunidade para explicar a dinâmica do trabalho deles. “Pescador vai aonde o peixe está. E o peixe não tem um caminho definido. Por isso, não conseguimos ter uma casa num lugar só. Nossa vida é nas barracas. E muitas vezes a gente não consegue ficar muito tempo numa barraca porque estamos em terreno de fazendeiro, e fazendeiro não deixa a gente ficar muitos dias ali. Então temos que seguir, atrás de mais peixe”, explicou. Ele ainda complementou dizendo como o PTR é importante para garantir a dignidade dos pescadores que estão passando dificuldade depois da queda da barragem. “Muita gente precisa tomar remédio e não tem nem dinheiro pra comprar. Isso não é justo”, afirmou.
Ediléia também compartilhou seu relato: “Meu pai criou cinco filhos debaixo de uma lona. Os cinco são pescadores profissionais. Eu também tenho cinco filhos. Todos criados pela pesca. O pescador não tem direção definida. A gente não tem roteiro, porque a gente não tem condição de fazer um rancho. Um fazendeiro não deixa a gente ficar mais de sete dias acampado. O que que a gente faz? Armamos nossa barraca e se não deu peixe vamos para outro lado. A FGV exige da gente um comprovante de energia, ou de água… como que o pescador vai comprovar? A nossa vida é diferente e temos direito de ter isso reconhecido”, desabafou.
Após escutarem os diversos relatos das pessoas atingidas e agradecerem o tempo de partilha, os representantes das IJs se manifestaram. A promotora Shirlei relembrou que o Acordo de Reparação, que engloba o PTR, é só uma das etapas do processo de reparação dos danos causados pela Vale. “Pessoa atingida não é só aquela que recebe o PTR. Essa parte da reparação diz respeito aos danos coletivos. Ainda estamos tratando, em paralelo, a parte que diz sobre os danos individuais que cada um de vocês sofreu. O PTR tem um limite, um recorte de beneficiados que foram definidos pelos critérios. Ele considera a proximidade com o rio. Foram mais de 160 reuniões para definir esses critérios. Se ele não tivesse esse limite, ele duraria muito menos”, relembrou.
O defensor Bráulio Santos reforçou o empenho das IJs na busca por alternativas de reparação e relembrou a importância da luta pela resolução (liquidação) coletiva dos danos individuais como um destes caminhos. “É sempre importante dizer que não existe uma garantia do sucesso dessa luta, mas vamos seguir buscando”, disse. Ele citou como exemplo as articulações para garantia de remédios gratuitos para as pessoas atingidas pelas vias de políticas de saúde pública. “Quando estamos em contato com esse tipo de situação, buscamos acionar o poder público para entender as opções que existem para que essas pessoas não fiquem desamparadas”, comentou. O defensor também relembrou que atividade econômica não é critério de acesso para o PTR. “Não podemos usar o argumento de que a pessoa é pescadora para que ela tenha a garantia do PTR, até mesmo porque, para um profissional desta área, isso poderia prejudicar o auxílio defeso e a previdência de vocês. O critério é o território e é por esse caminho que temos que ir”, enfatizou.
Para as IJs, o conceito de residência deve se adequar à realidade da comunidade. “Foi muito importante ouvir vocês, mais uma vez”, afirmou a promotora Shirlei. “A partir de agora, o que temos que fazer é juntar a maior quantidade de dados que mostram essa realidade, em como vocês se organizam e qual é a relação de vocês com o rio”, completou. Dentre os encaminhamentos, as IJs se comprometeram a analisar a nota técnica enviada pelo Guaicuy sobre a realidade dos pescadores de Paraíso (com prazo para o dia 25 de outubro) e sobre a realidade dos pescadores na Represa de Três Marias (com prazo para o dia 17 de novembro). Depois disto, as IJs se comprometeram a enviar as notas para a Fundação Getúlio Vargas, gestora do PTR.“Sabemos que o Acordo não vai dar conta de resolver todos os problemas, mas estamos lutando, de forma ampla, com empenho de todas as Ijs, para que todas as pessoas possam ser reparadas”, complementou a promotora Shirlei ao final da reunião.
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