Nesta sexta-feira (22), Dia Mundial da Água, as pessoas atingidas pela Vale na Bacia do Paraopeba e da região da Represa de Três Marias participaram de um ato organizado pelo Movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB), em frente ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na unidade do Fórum na Avenida Raja Gabaglia, em Belo Horizonte. O objetivo do encontro foi uma reunião com o juiz responsável pela reparação coletiva na primeira instância, além de chamar a atenção das Instituições de Justiça (IJs) e da sociedade civil para a violação do direito a água vivenciada pelas comunidades afetadas pelo rompimento da mineradora em Brumadinho, ao longo dos 26 municípios prejudicados. Também foi momento de reafirmar o entendimento a favor da resolução coletiva dos danos individuais das pessoas atingidas.
Na ocasião, representantes das cinco Regiões atingidas tiveram a oportunidade de se reunir com o juiz Murilo Silvio de Abreu, responsável pelo caso, para levar suas reivindicações e esclarecer dúvidas relacionadas à execução do Acordo Judicial firmado entre a Vale, o Poder Público e as Instituições de Justiça no ano de 2021.
A reunião com as pessoas atingidas contou com a presença de Carolina Morishita, da Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), do promotor Leonardo Castro Maia, Coordenador Estadual das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e da promotora Shirley Machado, também do MPMG. Também estiveram presentes representantes das três Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) que atuam na bacia do Paraopeba: Aedas (Regiões 1 e 2), Nacab (Região 3) e Instituto Guaicuy (Regiões 4 e 5).
No encontro, Quésia Martins, integrante da Comissão São Marcos e Santa ( em Pompéu), levou aos representantes das Instituições de Justiça a realidade vivenciada diariamente por quem vive nas comunidades atingidas. “Tiraram da gente o direito de produzir em nossas terras, pois a água não pode mais ser usada para essa finalidade. Então temos que comprar alimentos, gastar nosso dinheiro com algo que antes era cultivado em nossas terras. Além disso, temos agora diversos problemas de saúde que antes não existiam”, disse. Ela ainda ressaltou o uso dos poços artesianos por boa parte dos territórios atingidos pela Vale. “Não sabemos se eles estão contaminados. Mas se até o chuveiro que usamos tem que ter a resistência trocada todo mês, por causa do contato com o rejeito, imagina o resto?”, completou
Gleicilene Souza, moradora de Village do Lago (Felixlândia) e componente da comissão Village das Flores, também foi uma das vozes ouvidas durante a reunião. Ela pontuou a importância da Justiça averiguar as regras usadas pela Vale para fornecer ou não a água para as pessoas atingidas. “Se a mineradora diz que não temos direito de receber água, a Justiça deveria ir até lá ver o que as pessoas passam, para determinar se é justo ou não sermos privados do acesso à água. É só visitar as comunidades para perceber o absurdo que é”, criticou. Gleicilene também cobrou a fiscalização da reparação ambiental, prevista no Acordo. “Queremos e temos o direito de saber o que está sendo feito nesse sentido. O diálogo informado faz toda diferença na vida das pessoas que já sofrem tanto com esse processo todo”, argumentou.
Essa questão foi novamente abordada pela advogada do Guaicuy, Ana Clara Amaral, que chamou a atenção das IJs para a falta de transparência sobre as análises das águas subterrâneas, que nem sequer começaram a ser feitas, mesmo estando previstas no cronograma do Acordo. “Ouvimos aqui diversos relatos em primeira pessoa de gente que precisa dos poços artesianos no dia a dia. Essas análises, das águas subterrâneas , sequer começaram a ser feitas. As pessoas atingidas precisam ser informadas se há alguma dificuldade nesse estudo. Precisamos entender o comportamento dessas águas, porque isso tem tudo a ver com medidas emergenciais e também com um plano de recuperação ambiental que não está sendo cumprido da devida forma”. A advogada também falou sobre a retirada do rejeito do Rio Paraopeba, que integra o Plano de Recuperação Socioambiental, que também está atrasada. “As auditorias mostram que nem um terço dos rejeitos foi retirado ainda”, relembra.
A Vale já foi condenada a reparar todos os danos causados com o rompimento em Brumadinho, inclusive os individuais, mas os valores, as formas e quem tem o direito de receber ainda estão sendo definidos. É preciso garantir a discussão desses valores por meio da resolução coletiva (liquidação coletiva), que é uma maneira de produzir provas e parâmetros (ou seja, a mesma régua) para definir as indenizações de cada pessoa atingida, de acordo com a intensidade dos danos sofridos por cada uma. Essa também é a única forma que o Ministério Público tem para ser atuante e ampliar a discussão a todas as pessoas atingidas. No entanto, a Vale está recorrendo à segunda instância e se manifestando contrária à resolução coletiva das indenizações individuais.
Desde a decisão tomada pelo desembargador André Leite Praça em 16 de fevereiro, que negou o pedido da Vale por efeito suspensivo da sentença de primeira instância, foi aberto o prazo para que as Instituições de Justiça (IJs) se manifestem sobre o mérito da questão (o tema do julgamento) e reforcem os motivos pelos quais entendem que a decisão de primeira instância deve ser mantida. O prazo para manifestação é até o dia 18/04/2024..
Durante a reunião desta sexta-feira (25), a promotora Shirley Machado e a defensora Carolina Morishita se comprometeram a apresentar as contrarrazões para uma liquidação individual dos danos. No caso da promotoria, a manifestação foi apresentada poucas horas depois. Ainda faltam o parecer da Defensoria Pública em segunda instância, bem como a manifestação do Ministério Público Federal.
Ao final da reunião, os representantes das Instituições de Justiça agradeceram a presença e os depoimentos das pessoas atingidas presentes e se comprometeram com uma série de encaminhamentos.
O promotor de Justiça Leonardo Castro anunciou que a AECOM, empresa independente que atua como auditora no caso Brumadinho, vai organizar uma conferência, na qual pessoas atingidas, Assessorias Técnicas e sociedade civil poderão apresentar dúvidas a serem respondidas sobre o Plano de Recuperação Socioambiental. Haverá um edital estabelecendo prazo para o envio das perguntas, que serão respondidas na conferência. Outra medida a ser adotada pela AECOM será a criação de um portal de transparência para compartilhar as informações referentes à auditoria.
No que se refere às questões de saúde citadas pelas pessoas atingidas presentes, a Secretaria Estadual de Saúde está revendo em conjunto com o Instituto Mineiro de Gestão de Água (Igam) a norma que determinou o limite de cem metros do rio para contraindicar o consumo da água. Ela também citou o inquérito específico sobre metais pesados, que está em andamento e segue correndo exclusivamente na região de Brumadinho. Shirley Machado, do MPMG, se colocou à disposição para mais diálogos. O juiz Murilo Silvio de Abreu reafirmou que as perícias que estão sendo feitas pela Universidade Federal de Minas Gerais serão provas científicas a respeito da contaminação.
Para finalizar, os representantes das IJs defenderam a importância do cumprimento de um Plano de Trabalho do Processo, para que seja cumprida a participação informada na Reparação, com a necessidade dele ser homologado com prioridade máxima.
O que você achou deste conteúdo?