Quando a barragem da Vale se rompeu no Complexo Minerário do Córrego do Feijão, em Brumadinho, uma das maiores preocupações de ambientalistas e pesquisadores era com os prejuízos a longo prazo que poderiam ocorrer com a saúde daquele ecossistema, e as consequências disso para as pessoas que viviam perto do local e dependiam do rio. Em meio à pressão civil e judicial, a mineradora apresentou o primeiro plano de contenção e retirada dos rejeitos no dia seguinte ao desastre-crime, mas cinco anos depois, não se concluiu nem um terço do trabalho de dragagem.
A informação foi divulgada pela AECOM, empresa responsável pela auditoria do Plano de Recuperação Socioambiental de responsabilidade da Vale. Os dados foram apresentados no final de fevereiro, durante a última reunião de repasse trimestral em que a auditora apresenta às Instituições de Justiça e ao Governo de Minas um balanço das atividades executadas pela mineradora no âmbito deste plano. Segundo os dados apresentados pela própria Vale, o trabalho de dragagem, até agora, limitou-se apenas ao trecho próximo da confluência do Paraopeba com o ribeirão Ferro Carvão.
A estimativa acordada do Plano de Recuperação Socioambiental era de que, até o final do ano, o processo de retirada de rejeitos cobrisse 54 km do Rio Paraopeba. No entanto, até o início de fevereiro de 2024, os trabalhos alcançaram apenas 550 metros. Ou seja, apenas 1% do planejado. De acordo com a AECOM, considerando a extensão do trecho do Rio Paraopeba que foi dragado até hoje e o que ainda falta, seriam necessários mais 10 anos para completar o planejamento.
Em termos de volume, estima-se que 1,5 milhões de m³ devem ser retirados da calha. Entretanto, atualmente o volume retirado não alcançou nem 500 mil m³, que representaria 33%, ou um terço, do total. A AECOM pontuou, ainda, que a Vale não apresentou para todas as áreas já dragadas os laudos laboratoriais que devem comprovar a completa limpeza do rio, como era previsto no plano.
O Acordo Judicial de Reparação determina, entre outros pontos, a remoção integral e destinação adequada dos rejeitos até a altura da Represa de Retiro Baixo, na divisa entre os municípios de Curvelo e Pompéu. Pelo curso do rio, o reservatório fica a 320 km de distância do ponto do rompimento. [LEIA AQUI O TEXTO DO ACORDO]
Até agora, a mineradora mapeou apenas cerca de 700 mil m³ de rejeitos nos primeiros 16 km do rio. Cinco anos após o rompimento, ainda não foram sequer mapeados os 304 km restantes até a Represa de Retiro Baixo e não há plano de remoção a partir do quilômetro 16 do rio. No último encontro entre mineradora, auditoria, Instituições de Justiça e Governo de Minas foi acordada a atualização do plano plurianual ainda em março de 2024.
Mais do que representar uma memória constante do desastre-crime que tirou a vida de 272 pessoas e trouxe danos financeiros, sociais, de saúde e emocionais para outras dezenas de milhares, a presença dos rejeitos no Paraopeba pode implicar em novos distúrbios para as dinâmicas ambientais da Bacia. Mônica Campos, pesquisadora do Instituto Guaicuy, explica que a retirada lenta e pouco eficiente dos rejeitos pode potencializar ainda mais os danos socioambientais do rompimento.
“Existe a possibilidade de que esse material seja progressivamente arrastado em direção à Represa de Três Marias e, com isso, os possíveis efeitos nocivos de várias substâncias potencialmente tóxicas na composição dos rejeitos ocorram ao longo do tempo, acarretando em prejuízos para o meio ambiente e para os organismos vivos”, explica. Mônica lembra ainda que, com a bioacumulação – processo em que certas substâncias se acumulam e aumentam sua concentração ao longo das cadeias alimentares – essas substâncias podem chegar até as pessoas que consumam alimentos derivados dali, como é o caso dos peixes.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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